São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Atriz mostra que entende de religião

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Navalha na Carne" tem cenas comoventes, levadas pelo texto de Plínio Marcos, mas sempre se poderá dizer que a trilha dançante conflita com seu realismo.
O ator cubano que faz o cafetão Vado, Jorge Perugorría, dá ao papel inesperada clareza, fazendo seguir cada palavra a emoção e vice-versa, mas sempre se poderá dizer que uma ou outra cena desperdiçou o texto no sotaque.
Carlos Loffler, o neto de Oscarito que faz o homossexual Veludo, salta com o talento conhecido (do teatro) da tortura para o humor para a tragédia, o que é incomum, para dizer o mínimo, no cinema. Mas sempre se poderá dizer que ele se serve do preconceito para fazer rir.
Até Vera Fischer, linda mas se expondo à violência, à sujeira, às rugas, sempre poderá ser lembrada como inadequada, sendo ela tão linda, para personagem tão grosseiro -ou velho. Ou ainda, que se busca controvérsia menor, explora-se o seu mito para afrontar o público e a mídia.
Que tudo acima seja verdade, mas ainda assim o filme é envolvente, realista no melhor sentido, com passagens de arte maior, sejam elas mais próprias do teatro (a violência verbal e física do cafetão contra a prostituta), sejam de cinema (Vera Fischer, seu rosto em detalhe, chorando sozinha, mastigando sanduíche amanhecido).
Vera Fischer não é atriz de grandes interpretações, no que se aceita como tal. No que foi possível ver no palco e na peça tornada filme, ela se perde no ritmo dos diálogos, não alcança unidade nos personagens, constrange-se até.
Mas que importa, quando arrisca dissolver a maquiagem para revelar o rosto próximo dos 50, quando desgrenha o cabelo dourado, quando mergulha numa cena em que se esfrega com homens ensebados que lambem seus seios.
Ou quando chora, solitária, outra vez e finalmente solitária, diante da comida amanhecida.
Ela tem o que Plínio Marcos disse ser a exigência maior de Neusa Sueli, a prostituta, num texto em "O Globo": religiosidade.
Não sei de Tônia Carrero -que criou o personagem em 1968 e que tem tantas coincidências com Vera Fischer- mas Vera Fischer, como poucos atores, entende de Deus e religiosidade.

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