São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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Como sair da crise

LUCIANO COUTINHO

Os riscos de turbulência nos mercados internacionais foram olimpicamente subestimados. A crise financeira e cambial que sacudiu as economias asiáticas e a deflação das Bolsas de Valores dos países desenvolvidos tornaram-nos reféns de nossa grande dependência de capitais externos. Agora enfrentaremos -infelizmente- um período frustrante de agruras e sacrifícios.
Advertências e sugestões de mudança foram clara e reiteradamente colocadas pelos críticos construtivos da atual política macroeconômica nos três últimos anos -sendo sempre descartadas pelas atuais autoridades. A lição da crise mexicana de 94/95 de quase nada serviu: superados os meses iniciais de dificuldade, retornou-se levianamente ao curso de menor resistência, contemporizando-se com a sobrevalorização cambial e com os juros elevados. Oportunidades de desvalorizar moderada e ordenadamente a taxa de câmbio (no fim de 95 e no 1º semestre de 96) foram desperdiçadas.
É preciso sublinhar que nem todas as economias estão expostas à globalização de forma perversa. Países superavitários ou com reduzido déficit em conta corrente e com déficit público sob controle (e.g. Chile na América Latina) vêm enfrentando o vendaval com tranquilidade. Os que se enredaram em crescentes déficits externos (no nosso caso, de modo deliberado e irresponsável) se encontram em palpos de aranha, subordinados aos humores do mercado financeiro global. Nesse sentido, a nossa soberania para conduzir a política econômica já foi reduzida a pó. Pretender defendê-la verberando contra o FMI é pantomina tão incompetente quanto ilusória.
É inescapável constatar que, sem um processo de robustecimento consistente e continuado de nossa posição externa, permaneceremos vulneráveis e subordinados. A expansão vigorosa e persistente das nossas exportações, com simultânea moderação das importações, constitui a única opção para dar solidez e sustentabilidade à economia brasileira.
Não sendo possível, no momento, operar uma desvalorização cambial organizada, todos os instrumentos disponíveis deveriam ser utilizados para agregar mais valor industrial e tecnológico no país e para alavancar as nossas exportações. Isso exigiria uma mudança radical de atitude dentro da alta cúpula econômica do governo em direção à estruturação de uma política industrial e de desenvolvimento tecnológico muito mais ativa e bem coordenada. Desde logo o eixo orientador dessa política deveria assentar-se primordialmente na promoção das exportações e secundariamente na substituição competitiva de importações. Até o momento, infelizmente, quase nada foi feito para enfrentar a questão-chave do desequilíbrio externo.
O BNDES deveria ser um instrumento mais agressivo e pragmático: reduzindo a TJLP, induzindo projetos com expressivo componente de exportação, apressando a concentração de grandes grupos de capital nacional. Nesse sentido, a recente elevação da TJLP, acompanhando a alta dos juros e do risco-Brasil, é inoportuna e frustrante, pois não permite atenuar os efeitos nocivos do processo recessionista sobre as decisões de investimento produtivo.
Da mesma forma, é urgente liberar um imenso contingente de agentes econômicos do jugo punitivo de uma TR fixada em nível destrutivo. Todas as outras ferramentas de política econômica deveriam ser utilizadas, de forma incisiva e coordenada, em ações de fomento industrial e tecnológico, ainda que isso nos custe mais atritos diplomáticos e fricções na OMC.
Não é desprezível o raio de manobra de que o Brasil ainda dispõe (e pode criar) utilizando os meios seguintes: 1) controle de importações (barreiras não-tarifárias, valoração aduaneira para prevenir o "dumping" e o subfaturamento, uso de salvaguardas, uso de barreiras técnicas etc.); 2) aumentos seletivos das tarifas aduaneiras e aperfeiçoamento do tratamento tarifário em muitas cadeias industriais; 3) calibragem do tratamento tributário e das respectivas isenções (i.c. IPI, ICMS, contribuições sociais); 4) manejo inteligente de incentivos à pesquisa e desenvolvimento, por setor e com "prêmios" ao desempenho competitivo; 5) reforço e aperfeiçoamento dos mecanismos de suporte às exportações (seguro, equalização automática de juros por redução das taxas e não por ressarcimento das diferenças); 6) articulação de entidades cooperativas de exportação em pólos industriais e agroindustriais selecionados onde predominam pequenas e médias empresas etc.
É evidente que a articulação de uma alternativa de política econômica com essas características requer o investimento em quadros técnicos, a valorização das funções públicas e a capacitação do Estado.
É urgente a adoção de mecanismos finos de monitoramento cambial (especialmente sobre as contas de livre movimentação de moeda estrangeira, e.g. contas CC-5), assim como a supervisão preventiva de operações especulativas por parte de grandes operadores nacionais e estrangeiros.
Uma maxidesvalorização caótica, resultante de pânico, com violenta perda de reservas, seria o pior cenário. Dele ainda não estamos livres -dado que o cenário mundial continua sob a ameaça de uma crise sistêmica, considerada a perigosa fragilidade financeira da economia japonesa e a instabilidade que ainda ameaça outras economias "emergentes" (e.g. Coréia, Hong Kong, Rússia).
O melhor (e único) caminho para libertar o país dessa vulnerabilidade não é nem o juro alto nem o arrocho fiscal sem uma reforma tributária séria (essas são medidas temporárias, certamente contraproducentes e insustentáveis, mesmo por poucos meses). A saída está na promoção firme, persistente e articulada da competitividade de estrutura produtiva brasileira.

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