São Paulo, sábado, 6 de dezembro de 1997
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Para que privatizar a Cesp e a Eletropaulo?

JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO

Acompanhando argumentos oficiais, conhecidos jornalistas de economia repetem à exaustão que as estatais de eletricidade devem ser privatizadas porque não investem o suficiente para seguir a recomendação de "aumentar 1,2% na oferta de energia para cada ponto percentual de acréscimo do PIB". Ou então porque "o Estado precisa fazer caixa".
O primeiro argumento é vazio. A elasticidade energia/PIB, de fato, era superior à unidade, mas quando não se pensava em conservação de energia. Agora é menor.
Por outro lado, a privatização não contribuirá muito para o caixa do Estado. Longe disso: o que o governo pretende arrecadar mal dará para cobrir por alguns meses os juros da dívida pública. Portanto, o segundo argumento é igualmente fraco.
Mais: os compradores nem entram com muito capital próprio. Ao contrário, usam fundos públicos, que, pela lógica, deveriam ir para os programas de educação e outros para os quais o governo alega não ter recursos. Só em 1997, o BNDES emprestou R$ 4,8 bilhões para estatais privatizadas. E oferece outros R$ 14,3 bilhões para as próximas privatizações.
Alguns tecnocratas acreditam, como se fosse um dogma, que as privatizações fazem parte da globalização, um processo inexorável, ao qual não fica bem resistir nem naqueles pontos em que o Brasil é claramente prejudicado.
Não percebem que se trata de uma estratégia de grandes bancos e corporações para manter a atual repartição da renda mundial ou concentrá-la ainda mais em suas mãos.
Essa repartição, em grande parte assegurada pela rolagem da imensa dívida externa dos países em desenvolvimento, dá claros sinais de esgotamento. Procuram-se, então, novos mecanismos para manter a transferência de renda das antigas regiões colonizadas para os países desenvolvidos e de setores diretamente produtivos para setores intermediários e atividades especulativas, típicas dos mercados globalizados.
Especialmente eficientes para isso são as estatais do setor elétrico, que monopolizam mercados cativos e crescentes, pois eletricidade é um fator vital para toda e qualquer atividade humana. Dela dependem desde as comunicações até a conservação dos alimentos. Como todos pagam tarifas, o sistema elétrico é um arrecadador automático de parte da renda dos demais setores da economia.
É óbvio que, uma vez privatizado, esse sistema passará a remeter para o exterior grande parte de sua arrecadação, atendendo apenas às conveniências de países (e grupos) que desejam manter sua opulência à custa da crescente descapitalização dos países subdesenvolvidos.
A Cesp e a Eletropaulo já existem e funcionam muito bem. Com as atuais tarifas, o faturamento conjunto de ambas pode chegar a cerca de US$ 7 bilhões por ano, com imensa margem de lucros, pois a geração é quase toda hidrelétrica e a energia dos rios não custa nada.
Privatizá-las é permitir que grupos privilegiados nos vendam a energia de nossos rios, usando para isso usinas hidroelétricas e sistemas de transmissão e distribuição construídos com recursos que saíram de nossos bolsos (impostos). E a privatização não as expandirá nem criará novos empregos.
É tão difícil atinar com as razões do governo para cometer erro de tal gravidade que -com as notícias sobre as empresas interessadas nas privatizações, que contribuíram com vultosas somas para a última campanha eleitoral- fica no ar a suspeita de que grupos inteiros de altos mandatários foram corrompidos especialmente para isso. Penso que os congressistas, para justificar seus mandatos, deveriam deixar de lado os discursos inconsequentes e investigar seriamente esse escândalo.
Por fim, prevê-se que as tarifas subirão, pois a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) não terá condições políticas para contrariar grupos poderosos. A propósito, depois de privatizada, a Light, no Rio, já aumentou a tarifa duas vezes sobre a inflação, enquanto a qualidade do serviço piorou muito. E ninguém defende o consumidor.
Energia elétrica é um monopólio natural que, nas mãos de grupos cuja razão de ser é lucrar o máximo, pode transformar-se em terrível instrumento de concentração de renda e exploração da economia popular. Privatizar tal instrumento é uma iniquidade; a não ser que isso se faça pela pulverização democrática do capital das empresas no mercado acionário, com apoio do BNDES para a partida do processo.
Mas é indispensável que a sociedade (representada, talvez, por associações de consumidores) exerça rigoroso controle sobre as administrações profissionais das empresas privatizadas, a fim de eliminar práticas comerciais distorcidas por interesses subalternos.
Tais práticas causam grandes prejuízos a empresas públicas e privadas em suas transações com firmas de construção, escritórios de consultoria, bancos e fornecedores em geral. E quem paga é sempre o consumidor.

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