São Paulo, sábado, 6 de dezembro de 1997
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Saudades de FHC

CLÓVIS ROSSI

Londres - Que o presidente Fernando Henrique Cardoso é um intelectual de calibre, ninguém nega (que eu saiba). Mas o poder parece lhe fazer mal, ao menos do ponto de vista da clareza do raciocínio.
Ontem, um repórter lembrou que o primeiro trimestre do ano é tradicionalmente de menor atividade econômica e pediu uma previsão para esse período em 98.
Resposta literal: "É verdade que o primeiro trimestre em geral é o trimestre mais difícil. Mas essa dificuldade é muito mais sentida a nível dos indicadores e a nível dos especialistas do que a nível da população".
Começa pelo "a nível de" que já é abominável. Continua pelo raciocínio, que não tem pé nem cabeça. Afinal, para que servem os indicadores? Para medir o nível de mercúrio no planeta Vênus? Ou indicam (vá lá a redundância) maior ou menor bem-estar "a nível da população?".
Mais adiante, o presidente disse que as medidas adotadas recentemente pelo governo têm um lado bom: vão reduzir o déficit comercial e facilitar a redução do déficit orçamentário.
Não deixa de ser verdade, mas é apenas meia-verdade. A verdade inteira é que o déficit comercial será reduzido menos pelas medidas adotadas e mais pelo desaquecimento econômico que elas provocarão.
Com a economia crescendo menos (ou não crescendo), há menos necessidade de importações e até há uma sobrinha para exportar. Logo, diminui o déficit comercial.
E, no que diz respeito ao déficit público, faltou dizer a outra parte: com os juros na lua, disparam também os gastos do governo com a sua dívida. Aqui mesmo em Londres, o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, mostrou que, com os juros no patamar de hoje, o governo gastará 7,3% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da riqueza de um país) com os juros da dívida.
Convenhamos que, a nível de FHC, ontem não foi um bom dia.

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