São Paulo, sábado, 6 de dezembro de 1997
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"Os degraus de Ipanema"

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Era inevitável, era necessário e urgente que surgisse um livro assim. E que fosse escrito exatamente por quem o escreveu. Carlos Leonam foi testemunha, ator, vítima e cúmplice de uma época do Rio em que a escola já não era risonha e franca mas Ipanema, pelo menos, era tudo isso e muito mais.
Comparei-o ao bom jogador que está sempre bem colocado para pegar o rebote ou a bobeira do adversário e meter a bola nas redes. É incrível como no folclore ipanemense (por extensão, na zona sul do Rio) tudo o que aconteceu de importante tivesse um eixo -e que esse eixo fosse um jornalista.
Se alguém se atrevesse a escrever um romance no cenário carioca dos anos 60, 70 e 80, teria de inventar um personagem central, um âncora que amarrasse desde a resistência de Carlos Lacerda no Palácio Guanabara, que estava ameaçado de invasão, aos modismos mais estranhos da rua Montenegro, ao nascimento da Bossa Nova e do Cinema Novo.
De quebra, ele faz incursões na faixa internacional, como a complicada eleição de um papa e as fofocas complicadíssimas na Casa Branca e em outras casas pelo mundo afora. Esteve em todas.
Jornalista em tempo integral, dono de um texto moderno, Carlos Leonam funciona como um privilegiado evangelhista de uma era, de um "naquele tempo". Naquele tempo aconteciam coisas, naquele tempo aconteciam pessoas. É possível que agora nada mais esteja acontecendo e explico: acho que não existe um outro Carlos Leonam para ver e sentir pessoas e coisas.
Li o seu livro admirado e admirando. Como aquele personagem de Stendhal (a citação é sovada mas vai lá), eu via uma porção de gente indo de um lado para outro e não sabia que estava no meio de uma batalha de Waterloo. Minha praia era outra. Fico devendo a Carlos Leonam a consciência (tardia) de que vivi, à prudente distância, um bom tempo.

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