São Paulo, sábado, 6 de dezembro de 1997
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Exigências da vida organizada

JOSAPHAT MARINHO

O projeto do novo Código Civil, que acaba de ser aprovado pelo Senado, como todo documento legislativo dessa natureza, há de receber apoio e crítica.
O conteúdo e a importância do texto reclamam discussão, inclusive como forma de aperfeiçoá-lo. As leis, uma vez elaboradas, completam-se com o debate público, que lhes transmite mais intenso colorido da realidade.
A opinião dos juristas, embora relevante, não basta. Urge o juízo do homem comum, com a experiência dos fatos da vida a que se destina o código.
Com as modificações já introduzidas no código atual, alterando-lhe o sistema e a clareza, novo texto impõe-se pelas exigências da vida organizada. Os reclamos da coexistência superpõem-se às preferências doutrinárias.
Assim foi elaborado o projeto, e têm esse sentido as principais emendas, embora sempre presentes as idéias inovadoras, em linhas básicas, deixando-se pormenores para leis especiais.
Dentro desse critério, foram examinadas 366 emendas oferecidas por senadores; atualizou-se o projeto, ao qual o relator acrescentou 127 proposições.
Sem conter exageros, o projeto já revelava amplo sentido social. Com a revisão, reflete mais a linha geral do pensamento jurídico moderno. Assegurando direitos, subordina o exercício deles à ética e ao interesse social.
São disciplinados os direitos de propriedade e dos contratos. Está expressamente previsto o dano moral, indenizável. Condena-se o enriquecimento indevido. Introduz-se no texto o princípio da desconsideração da pessoa jurídica, para que a entidade não pratique impunemente atos ilícitos a serviço de dirigentes ou sócios.
Em face das transformações da sociedade e do poder dos meios de comunicação de transmitir informações, estabelece-se a capacidade civil plena em 18 anos. A mulher tem sua posição reconhecida desde o artigo 1º. Por força de emenda, já não se diz que "todo homem" é capaz de direitos e obrigações, mas sim "todo ser humano".
Inscreve-se no projeto o direito de superfície, para que a terra, sobretudo no meio urbano, possa ser sempre fonte de trabalho e produção. A enfiteuse é tratada nas disposições transitórias, como também o fez a Constituição, com o espírito de extingui-la, em harmonia com a reivindicação do meio jurídico.
Em decorrência do estabelecido na Constituição, alterou-se largamente o projeto, sobretudo na parte do direito da família. O homem e a mulher são declarados iguais em direitos e deveres na direção da sociedade conjugal. Já não se mantém, pois, a idéia de "chefe de família". Substitui-se "pátrio poder" por "poder familiar", para indicar a ação simultânea e igual dos pais.
Não se pode dizer mais que só o casamento forma a família. A Constituição reconheceu a união estável como "entidade familiar". Regulando essa situação, o projeto garante aos companheiros participação na herança, sem lhes dar posição superior à dos cônjuges, em igualdade de situação quando competem com outros herdeiros.
A norma constitucional que declara iguais os filhos, inclusive os adotivos, sem discriminação, tem desdobramento no código. Daí suprimir-se a idéia de adoção plena ou restrita: ela é uma só, irretratável. O projeto ainda prevê o direito de parentes, ex-cônjuges e ex-companheiros em estado de necessidade de receber ajuda para sua subsistência. É o espírito do direito social aplicado nas relações civis.
Em consideração à realidade social e à conveniência de tornar os bens produtivos, são impostas limitações ao poder de testar quanto às cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Ampliando a orientação do projeto, por emenda se estabelece que essas cláusulas somente podem ser inscritas no testamento mediante declaração dos motivos que as determinam. E elas não podem incidir na legítima, visto que esta é parte legal dos herdeiros. Também se autoriza que em situações excepcionais o testamento se faça sem testemunhas, reservando-se ao juiz apreciar sua validade.
Esses são exemplos, entre muitos outros, de normas que inovam o direito civil. São consequências das mudanças sociais e culturais que superaram em parte relevante, ao longo de 80 anos, o notável trabalho de Clóvis Bevilacqua.

Josaphat Ramos Marinho, 82, advogado, é senador pelo PFL-BA. Foi relator do projeto do novo Código Civil.

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