São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Assaltantes contam como escolhem a presa

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Você sai para a noite imaginando quem você vai pegar. Minha turma costumava rodar devagar, olhando as pessoas na calçada, os motoristas nos carros. Mulher sozinha em carro novo estava dentro do planejado. Velho no volante também. Mas aí a turma ia ficando cheirada e nervosa e já não ligava muito. O que aparecia na frente a gente pegava."
O olhar do predador procurando sua presa pelas ruas e avenidas aparece em vários depoimentos de presos ouvidos na sexta-feira em dois distritos policiais da cidade. Os presos não estão identificados.
Em boa parte dos relatos, a "caça" começava planejada e terminava violenta e sem controle, sob o efeito de drogas. A mulher aparece como a vítima mais fácil de ser subjugada. "Se ficar histérica e começar a gritar, a gente encosta o revólver e ela fica quieta", contou P.R.S. 24, preso por quatro assaltos à mão armada em São Paulo.
O psiquiatra forense Guido Palomba cita a "vitimologia" como o estudo das características e situações que levam uma vítima a ir ao encontro de seu agressor. "Uma mulher que dirige sozinha por lugares ermos ou o casal que namora dentro do carro em ruas desertas acaba atraindo o assaltante", diz.
"A vítima procurada pelo marginal que passa pode não ter rosto, mas tem sexo", diz Maria Amelia de Almeida Teles, uma das coordenadoras do grupo União de Mulheres de São Paulo. Para ela, a mulher foi educada para o espaço privado. "Ela ainda não têm o mesmo traquejo dos homens no espaço urbano", afirma.
Os assaltantes sabem disso, embora não reconheçam violências praticadas contra as mulheres.
N.R., 21, condenado por assalto, diz que escolhia suas vítimas pelas pastas que carregavam, independentemente de sexo. "Mulher é sempre mais fácil, mas eu só queria dinheiro, não diversão. Já bati em homem, nunca em mulher."
N.R. segue a "lei" da cadeia, que não admite violência contra mulheres, mas não as exclui do rol das vítimas. "Roubar homem e roubar mulher merecem o mesmo respeito", diz S.S.B., 29, acusado de assaltos e um homicídio. "O que não pode é o abuso gratuito."
No 4º Distrito Policial, na região central de São Paulo, onde os presos acompanham as notícias pela tevê, a gangue da batida não goza de nenhum respeito. "O pessoal que está aprontando aí fora é iniciante", diz B.S., 35, com a experiência de assaltos a bancos e carros-fortes e seis anos de cadeia. "Quando caírem aqui dentro, vou ter pena deles."
B.S. conta que os assaltos dos quais participou eram planejados durante semanas. "A gente estava atrás de dinheiro, não da vítima. Apertar o gatilho só em último caso. O que se vê por aí, hoje, são uns aventureiros. Cheiram para roubar porque não têm coragem de agir de cara limpa. O crack tira o moral do ladrão, e ladrão sem moral não é nada."
O que preocupa -dizem os policiais- é que do lado de fora há cada vez menos "ladrão que se preze" e mais "ladrãozinho" assustado agindo com drogas e misturando "assalto com diversão".
Presos ouvidos, que afirmam ser ladrões "respeitados", dizem que as mulheres não podem baixar a guarda. "Algumas ainda folgam nos faróis, com o vidro aberto e jóias nos braços..."
As perspectivas não são boas. "Assim que a gangue da batida for presa, vão surgir outras", diz B.S. "O ladrão fica o dia inteiro aqui dentro sem fazer nada, só pensando um jeito novo de roubar."
O Estado tem muita responsabilidade nessa violência que só tende a crescer, dizem os especialistas. A crise econômica, por exemplo, deve aumentar o desemprego e as desigualdades, que por sua vez geram violência. O sistema penitenciário é uma escola de marginais. No 15º Distrito Policial, onde, na sexta-feira, estavam 135 estupradores ou acusados de estupros, os presos não trabalham nem têm espaço para dormir. A grande maioria é jovem e tinha emprego.
"Para a maioria dos presos aqui, não vai restar outro futuro que pegar um revólver e assaltar", diz Edmilson Francisco da Silva, 24, acusado de estupro. Pela Lei das Execuções Penais, os presos condenados deveriam estar em penitenciárias, receber assistência psicológica e poder trabalhar.
A "cultura da passividade" também estaria incentivando a violência, como observa a socióloga e professora da PUC, Heleieth Saffioti. A própria polícia sugere às pessoas que evitem reações.
Nos faróis da cidade, "trombadinhas" e assaltantes agem com a certeza de que o motorista do carro ao lado não vai reagir. "Um revólver deixa todo mundo paralisado, principalmente as mulheres", relatou o assaltante S.S.B.
Heleieth não concorda. "Embora mais fraca fisicamente, a mulher é capaz de reagir e surpreender com um estratagema", diz.

Texto Anterior: Captura da gangue é prioridade da polícia
Próximo Texto: Campeã é preparada para golpes baixos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.