São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Euro será o primeiro desafio ao dólar

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LUXEMBURGO

A UE (União Européia) encerrou ontem sua última reunião de cúpula antes da divulgação, em maio, de quais países podem e querem estar na primeira leva do euro, a moeda única que será lançada a partir de janeiro de 1999.
O euro não é apenas uma curiosidade numismática. Até o normalmente austero e sóbrio FMI (Fundo Monetário Internacional) diz que "ao envolver a substituição de moedas nacionais de um número de economias altamente desenvolvidas e de substancial tamanho, a união monetária e econômica (da Europa) não terá paralelo na história".
Tampouco se trata de um fenômeno que diz respeito apenas aos 15 países da UE. "As características estruturais de uma Europa unida tendem a produzir um euro que, no limite, desafiará o dólar como moeda chave do mundo", diz Fred Bergsten, diretor do Instituto para a Economia Internacional (EUA), um dos maiores especialistas em economia global.
Bergsten ousa até pôr alguns números no tamanho do desafio ao dólar: calcula que a transferência de investimentos do dólar para o euro será de algo entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão.
É mais ou menos como se toda a riqueza que o Brasil produz em um ano (o seu PIB, Produto Interno Bruto) mudasse de uma moeda, o dólar, para outra, o euro.
Consequência inevitável: "O euro, ao pôr fim à predominância do dólar, produzirá um sistema multipolar mais simétrico", acredita Yves-Thibault de Silguy, comissário (uma espécie de ministro) europeu para Assuntos Monetários.
O FMI parece concordar com De Silguy: seu relatório anual emitido em setembro diz que os ativos globais, públicos e privados, são "desproporcionalmente" denominados em dólares.
Esses números não correspondem, porém, ao peso de cada parte na economia mundial, que é equilibrado. Os EUA e a UE têm participação quase igual (cerca de 20% cada) na produção mundial e nas exportações globais (15% cada).
O euro estabelecerá esse equilíbrio também no uso das moedas.
Para um país como o Brasil, um dos mais endividados do mundo e, além disso, com a maior fatia relativa de seu comércio dirigida à UE, a mudança interessa diretamente.
O que surpreende é que uma mudança dessas proporções esteja se aproximando com menos solavancos do que se imaginava.
Tanto que o euro, em si, mal foi tema da cúpula. Já é dado como certo que só ficará de fora da primeira leva a Grécia, que não cumpre os rígidos requisitos impostos às contas e à dívida públicas para entrar no euro. Os outros ausentes (Reino Unido, Dinamarca e Suécia) fizeram a escolha política de deixar a entrada para mais tarde.
Os outros 11 países fizeram também a sua escolha política: muitos usaram o máximo de criatividade na sua contabilidade pública para poderem estar no euro de saída.
"O euro tornou-se uma espécie de profecia que se autocumpre. A maioria dos líderes políticos e empresariais espera o euro e se prepara para ele, o que torna impraticável cancelar o projeto", diz Heino Fassbinder, economista da consultoria McKinsey & Co.
A opção política pelo euro transparece nitidamente até na avaliação de um tecnocrata, o presidente do Banco Central francês, Jean-Claude Trichet: "O que seria do mercado comum dos EUA sem uma única moeda valendo tanto no Texas como na Califórnia?".
O euro é isso: uma moeda única para valer de Berlim a Lisboa.

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