São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 1997
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Tavernier aceita desafio e vai ao subúrbio

RUI MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM PARIS

Desafiado por um ministro, o cineasta francês Bertrand Tavernier se instalou num subúrbio parisiense e, por mais de um mês, filmou um documentário de três horas sobre seus habitantes. "De L'autre Côté du Periph" já foi exibido pela TV francesa.
Antimilitarista (como em seu último filme "Capitão Conan"), Tavernier confirma o retorno do cinema social e engajado na França. Em fevereiro deste ano, participou de um movimento de 66 cineastas franceses contra a lei Debré, que instituía a delação contra os imigrantes clandestinos.
O ex-primeiro-ministro, Alain Juppé, enviou aos cineastas uma carta dizendo que a "vida não é cinema e que fossem viver um mês num subúrbio para ver".
Irritado, Tavernier se instalou no bairro Grands Pêchers, em Montreuil, arredores de Paris. Nesta entrevista exclusiva à Folha, Tavernier mostra seu lado militante -além de criticar o monopólio das imagens pelos americanos.
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Folha - "Capitão Conan" e seu documentário sobre a periferia são filmes de um cineasta militante?
Bertrand Tavernier - De um cineasta que não pode se isolar da vida. Militante é uma palavra bastante séria, não sei se mereço ser considerado um militante, mas sou alguém que continua tendo vontade de lutar. Pelo bom cinema, por idéias e para que minha vida coincida com as idéias que defendo nos meus filmes.
Folha - Por isso participou da reunião de cineastas que pediu boicote à lei Debré?
Tavernier - Fiquei satisfeito que o movimento tivesse partido de jovens cineastas, prova de que participam da nossa sociedade e da vida política. Senti-me orgulhoso de ter me associado a eles nessa luta contra a instituição da delação.
Folha - O desemprego, a imigração e os novos pobres estão relançando o "cinema engajado"?
Tavernier - Meus filmes sempre procuram falar da realidade social do meu país. O cinema francês foi anestesiado por culpa de Mitterrand, que com suas traições demoliu uma parte da esquerda, que perdeu seus reflexos. Agora, esses reflexos estão voltando, e recomeçam os filmes relacionados com a vida real e as injustiças sociais.
A maioria desses filmes foi feita pelos cineastas que assinaram o manifesto contra a lei Debré.
Folha - Qual a reação após a exibição de seu documentário?
Tavernier - Recebi centenas de cartas, pessoas me cumprimentam na rua para agradecer a visão real da periferia. Cerca de 1,8 milhão de telespectadores viu o documentário. Um trotskista, Alain Krivine, disse que meu filme vale por dez comícios e cinco passeatas.
Folha - É possível encontrar uma solução para a periferia?
Tavernier - Espero que meu filme ajude nesse sentido e que certas medidas sejam tomadas. Que não se fechem classes nas escolas, que os professores tenham mais experiência. O atual governo parece decidido a relançar os planos de moradias populares, que o governo anterior tinha cortado, no sentido de reabilitar os velho imóveis e criar ao redor os equipamentos necessários para crianças e jovens. Isso criará também empregos. Acabo de escrever ao primeiro-ministro sobre isso.
Folha - O documentário será exibido em outras periferias?
Tavernier - Não sei ainda, mas talvez em vídeo. O filme mostra que a região que filmei tem suas particularidades. A 500 metros dali, os problemas são outros. A falha dos políticos é generalizar tudo com relação aos estrangeiros, aos imigrantes e à periferia.
Folha - Há outro longa-metragem em preparação?
Tavernier - Vamos fazer um filme, com preocupações sociais, sobre um diretor de jardim de infância, numa região difícil da França.
Folha - Já esteve no Brasil?
Tavernier - Duas vezes. Eu tinha muitos amigos dentro do cinema novo. Costumo rever Carlos Diegues. Conheci muito bem Ruy Guerra e Nelson Pereira dos Santos. Mas houve uma época em que o Brasil não comprava mais filmes franceses e parou de produzir seus próprios filmes, que estavam entre os melhores do mundo. Felizmente, percebo ter havido uma mudança no Brasil com a produção de muitos filmes, ao contrário do ocorreu no México, onde os EUA conseguiram destruir o cinema.
Certos políticos foram verdadeiros criminosos em relação ao cinema, no Brasil e no México, e fizeram o jogo dos americanos.
Mesmo que haja grandes diretores americanos, não se pode deixar que os EUA dominem o cinema mundial. Cada país tem o direito de ter a sua própria fantasia cinematográfica. Isso praticamente faz parte dos direitos humanos. Cada povo tem o direito de sonhar sobre suas próprias imagens.
Acho importante que se possa ver filmes de todos os outros países, tanto no cinema como na televisão. Poder ver filmes japoneses, italianos, mexicanos, brasileiros, franceses, argentinos, americanos ajuda a compreender o mundo.
Folha - Mas os americanos controlam a distribuição, é muito difícil vencer essa barreira.
Tavernier - Acho que deveriam existir cotas de exibição. É preciso haver uma revolta contra o imperialismo das imagens. Não se trata de proibir as imagens americanas, mas de permitir que sejam vistas as imagens de outros países, a começar pelas imagens nacionais.

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