São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 1997
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Feliz Natal para quem?

DAVID DREW ZINGG
EM SAMPA

Eric: Minha mulher me disse hoje: "Você não fez absolutamente nada para ajudar com a ceia de Natal. Nada mesmo!"
Ernie: E o que você respondeu?
Eric: Eu disse: "Como assim? Olhe só para o peru -eu que comprei, depenei, recheei!"
Ernie: Ah, que bom!
Eric: Agora, a única coisa que a minha mulher tem que fazer é matar o peru e colocá-lo no forno. BBC-Rádio

Não me interpretem mal, eu adoro estas festas natalinas.
Voltemos, por exemplo, ao famoso peru.
Se a teoria da evolução fosse justa, nós estaríamos sendo comidos pelos perus. Eles existem na sua forma atual (não assados, é claro, mas como umas coisinhas gordas, tagarelas e cacarejantes) há aproximadamente 10 milhões de anos, o que significa cem vezes a mais do que homem (deveria dizer pessoas, para ser politicamente correto?).
Há até mesmo perus fossilizados, mas não são comestíveis.
Considerando que em termos evolutivos conseguimos ultrapassá-los, deveríamos ter lhes dado um nome mais descritivo, que poderia ser "méxicos" ou talvez "tunísias".
Para deixar as coisas ainda mais complicadas, em Gringolândia os perus são chamados de "turcos" (turkeys).
Essas grandes aves botaram seus primeiros ovos pré-históricos no México e depois foram importados para a Europa por comerciantes norte-africanos conhecidos como turcos, porque eram considerados estrangeiros pelos seus clientes europeus.
Na Turquia, a ave assada é conhecida como "índia".
Imagine só, Joãozinho.
Uma história de Natal
Todos nós temos uma história de Natal predileta, e o tio Dave não é uma exceção. A minha história predileta começa assim:
Parecia que ia ser um Natal terrível.
Karl, o melhor amigo do Pequeno Walter, tinha sido mandado embora de casa devido a um incidente infeliz que tinha acontecido alguns dias antes.
Karl, esquecendo por alguns momentos suas boas maneiras, tinha comido o gato da Mamãe.
A Mamãe ficou furiosa.
"Você vai para o pântano e fica lá", disse ela.
Foi assim que Karl foi colocado para fora de casa. Em alguns dias a única coisa que se via dele era o focinho, colocado tristemente para fora da água.
Três dias antes do Natal, o Papai levou o Pequeno Walter à cidade para comprar uma árvore de Natal.
O Pequeno Walter queria uma árvore bem grande, mas o Papai (um homem sem sentimentos) falou e falou sobre a importância de não gastar dinheiro à toa.
Acabaram comprando uma árvore pequena e barata que dava a impressão de ter saído muito à noite e contraído uma doença social.
O Pequeno Walter detestou aquela arvorezinha barata e remelenta.
Ele fugiu para o pântano e falou para o focinho quase submerso do Karl. "É uma árvore cretina, e este, o Natal mais cretino que eu já vi", choramingou.
Na manhã de Natal, quando a família olhou pela janela, todos viram a árvore de Karl, grande e bonita, perto do pântano.
O Papai (que sempre se preocupava com o lado prático das coisas) perguntou ressabiado: "Onde foi que o Karl conseguiu dinheiro para uma árvore assim?"
"Mamãe, por favor", disse o Pequeno Walter, "podemos ir ajudar ele a enfeitar a árvore?"
"Podemos ajudá-lo a decorá-la?", corrigiu sua mãe.
E, assim, foram todos para o pântano e enfeitaram a magnífica árvore de Karl. Quando a árvore estava toda enfeitada, parecendo uma árvore de Natal, um tio abastado disse que tinha comprado um videogame japonês para o Pequeno Walter.
O Pequeno Walter suplicou à Mamãe para deixar o Karl sair do pântano e, mesmo molhado, entrar na casa para jogar com ele... Por favor, por favor, por favor...
A Mamãe, imbuída do espírito de Natal, já tinha perdoado o Papai pelo seu pão-durismo e agora afagava sua mão com segundas intenções.
Ela respondeu: "Tá certo, pode vir, tudo bem".
Na verdade -pensou ela-, eu nem mesmo gostava muito daquele gato chato.
Ele não gosta do seu filho se...
* A carta que seu filho enviou para o pólo Norte volta com um carimbo que diz: "Continue sonhando, Joãozinho!"
* Seu filho pede uma "mountain bike" e recebe uma garrafa de cachaça.
* Na hora em que o Bom Velhinho chega à sua casa, a única coisa que tem no saco é um cacho de bananas de plástico.
* Quando seu filho senta no colo do Papai Noel do shopping, as primeiras palavras que ele ouve são: "Se tocar na minha barba, eu arrebento você!"
* Juntamente com os presentes, o Papai Noel deixa uma fatura considerável pelos gastos de frete e carregamento.
* Na manhã de Natal, seu filho acorda e há uma cabeça de rena na cama dele.
Noel bastante suspeito
Um Papai Noel bastante suspeito John Updike, o romancista, e eu temos alguns receios em comum sobre o Natal e, principalmente, sobre o Papai Noel.
Ele (o escritor, não o homem com bafo-de-onça) fez uma lista com os 12 Horrores do Natal. Entre eles estava o Medo de Não Receber o Suficiente e o Medo de Não Dar o Suficiente.
Updike faz uma pergunta básica: Por que alguém com o mínimo bom senso iria querer morar no pólo Norte em uma montanha gelada?
Ou ficar acordado a noite inteira, voando pelos céus, distribuindo presentes para crianças que provavelmente não os merecem?
Há um ponto, diz ele, em que o altruísmo se torna doença. Ou pode ser uma camuflagem sinistra para um bandido internacional. Não parece um motivo justo de preocupação o fato de que um homem sem endereço certo, dono de uma riqueza imensa da qual ninguém sabe a origem, entre pelas chaminés, depois da meia-noite, enquanto os cidadãos honestos e cumpridores da lei estão recolhidos ao leito?

Tradução Maria Carbajal

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