São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Limite de segurança

PHILIP COHEN
DA "NEW SCIENTIST"

Pesquisadores que estudam camundongos irradiados dizem que os danos genéticos provocados pela irradiação podem se agravar a cada geração subsequente.
Se a mesma conclusão puder ser aplicada aos seres humanos, pode levar à reavaliação das diretrizes de segurança nas utilizações médicas e industriais da radiação.
O bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, no Japão, e a exposição à radiação de trabalhadores em usinas nucleares suscitaram temores quanto à possibilidade de danos duradouros ao pool genético humano.
A radiação com alto nível de energia pode prejudicar cromossomos. Quando os cromossomos prejudicados estiverem em espermatozóides ou óvulos, existiria a possibilidade de os danos serem transmitidos para a geração seguinte.
A radiação também pode provocar danos que só aparecem após a divisão das células. Trata-se de uma propriedade conhecida como instabilidade genômica, que também pode ser transmitida a gerações futuras.
Evidências contrárias
Apesar disso, os estudos feitos com os descendentes dos sobreviventes das bombas atômicas não encontraram evidências de efeito hereditário. Também parecem ser duvidosas as alegações de que a exposição dos trabalhadores nucleares à radiação provocou o surgimento de câncer em seus filhos.
Acreditava-se que a ausência de mutações em gerações posteriores ocorresse porque os espermatozóides e óvulos consertam seu DNA (ácido desoxirribonucléico), ou seja, destroem células danificadas além da possibilidade de reparo.
"Seria como uma grande escova fazendo uma limpeza geral", diz Lynn Wiley, bióloga especializada em radiação da Universidade da Califórnia, em Davis, nos Estados Unidos.
Mas, em uma conferência promovida em Kyoto no início de novembro, Wiley afirmou que algumas mutações induzidas por radiação não apenas são herdadas, como também se agravam a cada geração que passa. Trata-se de uma descoberta inteiramente inédita.
Teste competitivo
"A maioria dos estudos feitos até agora levou em conta apenas uma geração", diz Eris Wright, da Unidade de Radiação e Estabilidade Genômica do Conselho de Pesquisas Médicas, em Harwell, Oxfordshire, no Reino Unido.
A equipe de Wiley utilizou um "teste competitivo" para comparar os índices de divisão celular em embriões gerados por pais irradiados e pais normais.
Um embrião normal de camundongo, com quatro células, foi fundido com um embrião semelhante, concebido com o espermatozóide de um macho irradiado com uma dose de um gray de raios gama, equivalente a 300 exposições a exames de raios X médicos convencionais.
Para distinguir as células dos dois embriões, os cientistas marcaram um dos conjuntos, escolhido aleatoriamente, com tinta fluorescente.
As células dos pais irradiados num prazo de até cinco semanas antes da concepção apresentaram um desempenho normal.
Os pesquisadores constataram que quando os embriões fundidos já haviam passado de 30 horas a 35 horas crescendo, essas células compunham a metade do seu número total.
Mas quando os pais haviam sido irradiados seis semanas antes da concepção, suas células respondiam por apenas 48% das células do embrião.
Desempenho reprodutivo
A equipe repetiu o teste com espermatozóides dos filhos desses pais. Desta vez a proporção caiu para 42%. Na geração seguinte de netos, os dados iniciais sugeriram que seus espermatozóides tiveram desempenho reprodutivo pelo menos tão ruim quanto o de seus pais.
Wiley já tem os primeiros indícios da razão pela qual essas células perdem seu índice de divisão normal. Os bisnetos dos camundongos irradiados apresentaram níveis elevados da proteína p53, conhecida como supressora de tumores.
Essa condição interrompe a divisão celular, dando tempo para a reparação de mutações. "Parece que esses animais precisam trabalhar muito duro para impedir que suas células errem o caminho", diz Wiley.
Se mutações semelhantes ocorreram nos descendentes dos sobreviventes da bomba atômica, elas provavelmente não foram percebidos pelos epidemiologistas.
Segundo Wiley, os espermatozóides foram suscetíveis a essas mutações por apenas um curto período de seu desenvolvimento, de modo que a maioria das famílias não seria afetada. Mas algumas delas podem sofrer efeitos devastadores.
"Se o mesmo for verdade com os humanos, talvez precisemos repensar totalmente os padrões de segurança para todos os tipos de radiação", diz Marvin Meistrich, especialista em efeitos da radiação no Centro M.D. Anderson de Câncer, em Houston, no Texas (sul dos EUA).
Mas ele diz que ainda é cedo para soar o alarme. Os camundongos de Wiley receberam altas doses de radiação, semelhantes àquelas usadas para o tratamento do câncer. Mesmo as pessoas que trabalham com radiação raramente são sujeitas a doses tão concentradas como essas.

Tradução de Clara Allain

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