São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Estratégia para aprovar reeleição foi traçada em 1994

RUI NOGUEIRA; FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

No restaurante Mourisco, em Olinda (PE), de propriedade de Manoel Correia de Paula, o "Zinho Peru", na noite do dia 17 de setembro de 1994, começou a ser traçada a estratégia para aprovar no Congresso a emenda constitucional que autoriza Fernando Henrique Cardoso a se recandidatar à Presidência.
Nesse sábado, a duas semanas do primeiro turno (3 de outubro), mas com as pesquisas dando Fernando Henrique já como presidente eleito, o então candidato teve pela primeira vez uma conversa específica sobre o assunto reeleição.
A emenda foi aprovada pela Câmara quarta-feira passada, em primeiro turno, por 336 votos a favor -28 a mais do que o mínimo necessário.
Em Olinda, a reeleição foi discutida entre garfadas de peixe ao forno, lagosta ao coco, galinha cabidela, camarões, siri, sururu e rosbife. Tudo servido à americana, em um mesa enfeitada com um arranjo de frutas típicas do Nordeste.
Fernando Henrique e a comitiva foram parar no restaurante por sugestão do amigo e prefeito Jarbas Vasconcelos, velho conhecido de "Zinho Peru", depois de um comício para cerca de 10 mil pessoas, em Recife, no largo Santo Amaro.
Mendonça
A um canto do Mourisco, com o ambiente embalado pela música do violeiro Cleoman, o tucano Maurílio Ferreira Lima (PE) disse a FHC que escolhera o deputado Mendonça Filho (PFL-PE), o "Mendoncinha", para apresentar a primeira emenda do ano legislativo de 95 na CCJ (Comissão de Constituição de Justiça).
A idéia da emenda e a apresentação ao Congresso eram projetos do próprio deputado Maurílio, então candidato a uma vaga no Senado por Pernambuco.
A generosidade para com "Mendoncinha" tinha duas razões: Maurílio sabia que não conseguiria se eleger e, não sendo ele o arauto da reeleição, a tarefa deveria ficar com um pefelista.
Motivo: o vice de FHC, o senador Marco Maciel (PFL-PE), era, então, radicalmente contra a reeleição. Um pefelista como autor da emenda ajudaria, pelo raciocínio tucano, a dobrar Maciel. Como dobrou. Maurílio perdeu o Senado, mas ganhou um emprego à altura do ardor reeleitoreiro -a presidência da Radiobrás, a estatal de comunicação.
Cadáveres
A reeleição foi tratada no Mourisco como um "próximo passo" dentro do projeto de perpetuar mudanças feitas no bojo do Plano Real do ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.
Na reta final da campanha, a arrogância da vitória e o panorama da manutenção no poder começavam a transparecer. Em Recife, FHC foi duro com seus adversários. Disse que os "cadáveres ambulantes" teriam apenas "o voto de piedade de alguns".
"Eles dizem que são de esquerda, mas de esquerda sou eu, que nunca enganei o povo", declarou. Depois, pediu votos para Maurílio, Carlos Wilson (PSDB), filho do deputado federal Wilson Campos (PSDB), hoje candidato a presidente da Câmara, e Gustavo Krause, candidato a governador (PE) e hoje ministro do Meio Ambiente. Mas só Carlos Wilson se elegeu.
Emenda 001
No Mourisco, o presidente aprovou a idéia da apresentação da emenda 001 por Mendonça Filho e pediu uma nova conversa quando já estivesse morando no Palácio da Alvorada.
A emenda da reeleição, protocolada como a primeira do ano legislativo de 95, foi embalada pela tática da surpresa.
Sendo a primeira, a CCJ teria de tratar o assunto com total prioridade e ainda dentro do clima da vitória acachapante de Fernando Henrique Cardoso.
Deu certo. No dia 26 de abril daquele ano, sem grande alarde e dentro do espírito de que era apenas o início da tramitação de uma proposta, a comissão aprovou a emenda por 46 votos a favor e 5 contra. Passou pelo opositor José Genoino (PT-SP) e pelo legalista Prisco Viana (PPB-BA).
Em Olinda, onde FHC terminou a noite cantando uns bolerões acompanhado de Cleoman, o ambiente só não foi totalmente festivo porque Marco Maciel estava para lá de cabisbaixo.
Ao chegar a Recife, a comitiva soube do teor de uma reportagem que circularia na "Veja" da semana seguinte. Segundo a revista, contribuições de PC Farias teriam ido parar no caixa de campanha de Maciel, quando candidato ao Senado, em 1990.
Maciel defendeu-se, foi defendido por FHC, jamais se provou qualquer doação consentida de PC em suas campanhas, mas, naquele final de semana em Recife, ninguém conseguiu tirá-lo do estado de agonia. Nem quando ganhou do restaurante Mourisco, junto com FHC, uma lata de passa de caju.
Enquanto a CCJ tocava a emenda 001 da reeleição, nos palácios dos Planalto e Alvorada e na sede do PSDB, o assunto ia ganhando vida própria. No início de 95, além de FHC, o outro interlocutor destacado para tratar do assunto era o ministro Sérgio Motta (Comunicações).
Temores
No primeiro semestre de 95, FHC oscilou entre o silêncio em público e as conversas reservadas, nas quais demonstrava temor pela reação à idéia de se recandidatar sem desincompatibilização.
Em um encontro com tucanos ele disse que isso faria com que tivesse de passar a campanha inteira se explicando pelo uso da máquina do Estado. Chegou a citar uma reportagem da Folha feita na campanha de 94 -FHC usou um fax da administração do Senado, o que era proibido pela lei eleitoral em vigor.
Perdeu o temor e hoje defende a reeleição sem desincompatibilização, isto é, permanecendo no cargo.
Nas conversas com Motta, alguns aliados de FHC pediam que a reeleição fosse embrulhada em um pacote de reformas políticas e eleitorais. O ministro achou que isso mais atrapalhava do que ajudava. Estava certo, Fernando Henrique ganhou a reeleição e as reformas estão paradas.

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