São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Distúrbio afeta cerca de 12%

DE NOVA YORK

Leia abaixo a entrevista com Harold Koplewicz.
Folha - Qual a proporção de crianças e adolescentes afetada por desordens cerebrais?
Harold Koplewicz - Numa estimativa conservadora, acreditamos que 12% das crianças e adolescentes dos EUA estejam dentro desse critério -significa que 7,5 milhões de crianças sofrem de desordens mentais diagnosticáveis.
Folha - E quantas dessas crianças deveriam ser medicadas?
Koplewicz - A mensagem mais importante é que antes que a criança receba algum remédio é necessário haver um bom diagnóstico. Porque, por exemplo, há muitas razões para uma criança não se concentrar na escola.
Ela pode ter um professor chato, pais que estão se separando, ansiedade, ou pode ter desordem de hiperatividade com déficit de atenção. Depende do diagnóstico.
Folha - E isso é feito imediatamente após o diagnóstico?
Koplewicz - Em muitos casos a primeira linha de ataque é uma intervenção psicossocial. Por exemplo, peguemos uma criança que tem ansiedade de separação, que se recusa a ir à escola, que tem medo de que algo de mal possa acontecer com sua mãe ou com seu pai.
Sabemos que, se você faz uma terapia comportamental, conversa com a criança, inventa uma forma de levá-la à escola, há uma certa porcentagem, quase 40%, que vai melhorar em quatro semanas.
Mas, se ela não melhorar, manter a terapia é prejudicial, já que a criança sente que ela é que é um fracasso. Aí é necessário medicar.
Folha - A maioria dos problemas emocionais das crianças não surge da relação com os pais?
Koplewicz - Sim, mas nem todos. Estou convencido de que os pais ficam se culpando por todos os problemas da criança porque até 20 anos atrás nós acreditávamos que esquizofrenia fosse causada por pais que davam mensagens misturadas aos filhos, como: "Você está lindo hoje, mas o que é essa espinha em seu nariz?". Só que há milhões de mães fazendo isso, que não causam esquizofrenia. Hoje sabemos que ela é causada por um desequilíbrio químico.
Folha - Por que surgem esses problemas?
Koplewicz - Eu chamo de roleta de DNA. Da mesma forma que seus pais lhe dão olhos azuis, dão a predisposição genética de ter ansiedade, depressão ou problemas de aprendizagem. Um divórcio, por exemplo, pode fazer mal para uma criança, mas não causa um defeito no cérebro.
Folha - E o que ocorreria se uma criança com algum desses problemas não tivesse tratamento?
Koplewicz - Por exemplo, uma criança que tem deficiência de atenção e hiperatividade, que consegue se concentrar menos tempo do que a média, que se mexe mais que as outras, obviamente tem problema na escola. O professor vai dizer o tempo todo que isso está errado. Dá para entender por que ela não vai querer estudar.
Folha - A maioria das crianças latinas parece hiperativa quando colocada ao lado de crianças européias ou americanas. A atividade não é culturalmente aprendida?
Koplewicz - Pode haver diferenças culturais. Mas a questão não é se o garoto se mexe muito, mas se isso faz com que ele sofra. Nesse caso, eu acho que seria um crime não medicar a criança e dar chance para que ela se desenvolva.
Folha - Uma criança não deveria aprender a lidar ela mesma com sua predisposição cerebral ou emocional? A criança tratada com medicamentos não será dependente pelo resto da vida?
Koplewicz - Ocorre o contrário. Veja crianças que são patologicamente autoconscientes. Elas falam com os pais, mas, quando vão à escola, ficam tão ansiosas de parecer bobas que não falam com ninguém. Se vão a um psiquiatra, podem criar uma relação satisfatória com ele, mas não com os outros.
Folha - Por quê?
Koplewicz - Nós acreditamos que essas crianças têm deficiência de serotonina (um neurotransmissor) no cérebro. Se você dá a elas um medicamento como Prozac, em mais ou menos seis semanas elas começam a falar mais.
O que é notável é que, quando a medicação é suspensa, seis meses depois, ela não regride. Todo o ambiente passa a ser mais estimulante. O professor vai gostar mais dela, os colegas vão ficar amigos, os pais vão ser mais afetivos. Há muito reforço. E é importante que ocorra com ela jovem, porque para o adulto é mais difícil mudar.

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