São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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'A polícia está se lixando para a gente'

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

S. L. conheceu o inferno aos 14 anos. Assistia televisão na casa em que vivia no Jardim Fim de Semana, na zona sul de São Paulo, quando bateram na porta pedindo cigarro. Ela abriu a porta e começou o tiroteio.
S.L. levou a primeira bala no rosto, próximo ao olho, conseguiu escapar e pôde ver a chacina: seu irmão, a namorada dele e um garoto de 11 anos que assistia TV com eles tiveram morte instantânea.
"Socorre! Socorre!" -era só o que conseguia dizer. Foi a senha para os assassinos voltarem e despejarem mais quatro balas em S. L. -duas nos braços e duas nas pernas. Mesmo com as cinco balas, ela sobreviveu. A chacina ocorreu no dia 14 de janeiro de 1995.
Hoje, aos 16 anos, com um filho de dois meses, S. L. vive em outro Estado e não volta a São Paulo "nem amarrada", como diz.
Mesmo tendo recebido proteção, não poupa a polícia. "A polícia está se lixando. Para eles, é apenas mais uns viciados que morreram", disse à Folha por telefone, referindo-se ao irmão e à namorada dele, consumidores de crack.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
(MCC)
*
Folha - Você se sente protegida morando em outro Estado?
S. L. - Não. O tipo de pessoa que matou meu irmão, quando quer encontrar alguém, encontra.
Folha - Você tem medo?
S. L. - Não. Depois do que vi o que aconteceu com o meu irmão, não tenho mais medo de nada.
Folha - Você teve algum tipo de proteção policial durante o inquérito da chacina?
S. L. - Nos quatro dias que passei no hospital, fui protegida pelos policiais da Homicídios. Quando eu não morava mais em São Paulo, eles foram me buscar na rodoviária uma vez.
Nas outras cinco ou seis vezes, eu vinha de ônibus e não tinha proteção nenhuma. Era o meu pai que ia me pegar na rodoviária.
Folha - É verdade que a chacina está relacionada com cobrança de dívidas de crack?
S. L. - Não sei, não quero falar.
Folha - O que você achou das investigações da polícia?
S. L. - A polícia faz as obrigações para manter as aparências. A polícia está se lixando para a gente. Para eles, são apenas mais uns viciados que morreram.
Se eu não tivesse ficado viva, eles não teriam prendido os matadores. Pode ter certeza disso.
Folha - Por que você é tão furiosa com a polícia?
S. L. - Meu outro irmão morreu numa chacina num bar, estava cheio de testemunhas, todo mundo sabe quem foi, mas a polícia não foi atrás. O caso foi arquivado.
Esse irmão que eu vi morrer estava na chacina do meu outro irmão. Ele foi ouvido uma vez só. Isso é investigação?

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