São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Fernando Henrique faz favor a jornalistas

GILBERTO DIMENSTEIN

O Jornal Nacional transmitiu ao vivo, semana passada, a votação do Congresso sobre a reeleição. Os jornalistas iriam receber uma má notícia.
À medida que iam entrando as cenas do Congresso, a audiência despencava. Aumentava o número de telespectadores de uma dessas medíocres novelas mexicanas transmitidas pelo SBT; estavam mais interessados nos diálogos de mulheres cheias de jóias na praia do que em saber quem pode governar o país até o ano 2002.
Se a audiência migrasse apenas para outros telejornais, seria uma questão apenas da TV Globo. Mas não é.
Há menos interesse em notícias sobre assuntos nobres, provocando o risco da desinformação?
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A pergunta atordoa as redações americanas, onde se acompanha a queda da circulação dos jornais e da audiência dos telejornais.
Os três mais importantes noticiários de TV dos EUA (ABC, CBS e NBC) eram vistos, há 15 anos, por 43% das casas. Caiu, agora, para 25% -e não pára de cair.
Potências como "The New York Times", "The Washington Post", "The Wall Street Journal", "Miami Herald", entre muitos outros, procuram resposta para a perda contínua de leitores.
Torrente de explicações. Uma delas: a disseminação de notícias por meios eletrônicos, como Internet ou TVs a cabo, fragmentou a atenção. Razoável.
Outra também razoável: descrédito da profissão. Pesquisa da revista "Time" revela que 75% dos leitores ou telespectadores acham que as notícias são distorcidas; 63% reclamam que os jornais adoram desgraça.
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Num seminário realizado pela Faculdade de Jornalismo de Columbia, em Nova York, foi levantada por vários participantes a tese de que a culpa não é só dos jornais nem dos jornalistas -a responsabilidade seria também do país, que está mais chato.
Lembram-se com saudade do suspense nuclear da Guerra Fria. Passaram por Segunda Guerra Mundial, batalhas na Ásia (Coréia e Vietnã), invasão de Cuba, assassinato de um presidente (Kennedy), renúncia de outro (Nixon). Viram a explosão das drogas, dos hippies, revolta dos negros, liberdade sexual.
O indivíduo buscava a notícia para saber se um míssil nuclear não estava prestes a ser disparado em direção a sua cabeça.
Jornalistas americanos suspeitam que não conseguiram explorar outros focos de interesse e perdem a concorrência para o entretenimento, muitas vezes inclusive disfarçado de jornalismo.
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Passamos por um processo semelhante. Por décadas e mais décadas vivemos num avião em turbulência.
Do suicídio de Getúlio Vargas, renúncia de Jânio Quadros e golpe militar a sequestros, guerrilhas, morte de Tancredo Neves e impeachment de Collor. Por pouco, um operário sem curso superior não vira presidente.
Um batalhão de ministros econômicos e presidentes do Banco Central foram fuzilados, em meio a pacotes e planos fracassados contra a inflação.
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Fernando Henrique Cardoso significou o início do reinado da chatice, sem sobressaltos. A reeleição traz a perspectiva de que essa chatice demore, se prolongue pelo próximo milênio.
Sempre vai haver erros, problemas, deficiências. Mas, sem nenhum desastre, vão ser tratados como processos; as crises são esporádicas, não permanentes.
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A reeleição passou, em parte, porque o governo usou métodos indecorosos que fariam corar o sociólogo Fernando Henrique. Ele ganhou, mas sua imagem saiu arranhada como alguém que rasteja por um cargo, movido mais por vaidade do que interesse público. No que me diz respeito, não tem conserto, embora continue considerando que ele acerta bem mais do que erra.
Mais do que a barganha indecente, pesou o óbvio: a imensa maioria dos brasileiros gosta do governo ou não vê alternativa.
Por inaugurar o reinado da chatice, o presidente presta um imenso favor à imprensa brasileira, apressando saudável movimento que já existe nas redações. Ajuda a reciclar e quebrar antigas estruturas, tornando os jornalistas mais próximos das ruas e menos dos palácios.
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Um dos nossos maiores vícios é dar muito espaço a Brasília e pouco ao Brasil; nesse sentido, somos oficialistas e elitistas. Basta ver quantas manchetes são dedicadas ao poder oficial.
A chatice federal nos obriga a buscar fontes de alternativas, indo mais próximo da rotina e angústias do cidadão comum.
Vamos saindo da rota do escândalo pelo escândalo, da mazela pela mazela, do jogo simplório de fazer oposição sistemática a um presidente, governador ou prefeito para parecer independente.
Ao procurar mais notícias nas ruas e não apenas nos palácios e repartições, a imprensa fica menos oficial e mais democrática.
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Esse é um dos caminhos que temos para pelo menos tentar que os brasileiros vejam mais notícias e menos novelas mexicanas.
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PS - Uma das lojas de roupas preferidas pelos brasileiros em Nova York é a "Century 21". Ficam tão embasbacados com os preços que viram patos. O consulado do Brasil em Nova York suspeita que uma quadrilha esteja faturando naquela loja com o deslumbramento. Todas as semanas chegam queixas de brasileiras que perderam suas carteiras na loja.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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