São Paulo, quinta-feira, 6 de fevereiro de 1997
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Testemunha adequada

MOACYR SCLIAR

Seguinte, disse o juiz, e quando o homem se levantou, suspirou, resignado. Já conhecida de cor a ladainha que seria recitada: é o seguinte, senhor juiz, a minha casa foi inundada, meus móveis estragaram, tive um prejuízo enorme, quero minha indenização. Antes mesmo que o homem começasse a falar foi advertindo:
- Olhe, sua ação está correndo, mas essas coisas não se resolvem de um dia para outro. Eu já lhe disse mil vezes: indenização por enchente exige paciência e tempo. Principalmente no seu caso. O senhor não tem prova nenhuma de que houve enchente em seu bairro.
Um sorriso iluminou a face do homem:
- Ah, senhor juiz, mas agora as coisas mudaram. Tenho uma testemunha.
Voltou-se para a porta:
- Entre, por favor.
Entrou um velhinho que, na opinião do juiz, deveria ter alguns milênios: as suas veneráveis barbas brancas quase arrastavam no chão. O magistrado tornou a suspirar:
- Muito bem. Vamos ver o que tem a dizer a sua testemunha.
O velhinho, que aparentemente era surdo, não entendeu:
- O que ele quer?
- Quero -disse o juiz, impaciente- que o senhor diga se houve enchente como sustenta esse cavalheiro a seu lado.
- Claro que houve enchente -retrucou o ancião. Ficou tudo inundado. Muita gente até morreu.
- É? -O juiz, irônico. E o senhor escapou como?
- Bem, eu tinha sido avisado a tempo. De modo que construí um grande barco, coloquei lá dentro minha família e os animais e fiquei a bordo até que as águas baixaram. Mas lhe digo: não escapou casa alguma.
Continuou falando, mas a esta altura o juiz estava intrigado: aquela história lhe soava familiar. Tudo inundado, homem constrói barco...
- Diga-me uma coisa, senhor: como é seu nome?
- É Noé, para servir-lhe -replicou o ancião, sorridente. E se o senhor não acredita no que estou contando, leia aqui.
Estendeu ao juiz um livro. Era naturalmente a Bíblia e estava aberta no Gênesis. Naquela parte que diz: "E passados sete dias, as águas do dilúvio cobriram a terra."

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