São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
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Aviso amigo; Sonho; EREMILDO, O IDIOTA; CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS; Uma nova receita de pizza para a CPI; Uma letra nova para o samba da privatização; A coligação maluca produziu o voto doido; ENTREVISTA; Palpite infeliz

ELIO GASPARI

Aviso amigo
Antonio Carlos Magalhães ainda não tinha completado 24 horas na presidência do Senado quando um hierarca da República telefonou-lhe pedindo um daqueles favores que enfeitam a biografia de quem os recebe e iluminam o prontuário de quem os faz.
Queria fazer um pequeno conserto no Orçamento. Está correndo até agora.

Sonho
Há fortes indícios de que as empresas de medicina privada planejam a estatização da velhice.
Elas estão debaixo de fogo por cobrar preços saturnais aos clientes idosos. Argumentam que nada podem fazer, porque 50% dos gastos de um indivíduo com sua saúde são consumidos depois dos 65 anos.
Solução: criar um sistema híbrido de financiamento do seguro de quem tem mais de 65 anos, repassando uma parte do atendimento ao Estado.
Maravilha: privatiza-se a assistência aos jovens (que pouco a usam) e estatiza-se a dos idosos (que não vivem sem ela).

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota. Acha que Sérgio Motta é ministro das Comunicações porque o presidente Fernando Henrique Cardoso precisa de suas qualidades verbais para se comunicar com um grupo seleto de interlocutores. O idiota passa o Carnaval em Belo Horizonte porque pretende trocar algumas idéias com o embaixador Marcos Coimbra.
Ele se interessou pelas explicações que o cunhado do ex-presidente Fernando Collor vem dando para justificar a compra de uma mansão tipo "rumbeira-aposentada" em Miami.
Primeiro ele disse que a casa não era sua. Depois disse que a casa era sua. Por quê?
- Porque o caso tomou um vulto que me obriga a dizer a verdade.
Eremildo quer patentear o vultômetro descoberto por Coimbra. O idiota supõe que o embaixador descobriu um aparelho capaz de demarcar os confins da verdade. Se o caso não toma vulto, ninguém está obrigado a contar a verdade. Na dúvida, coloca-se a pergunta no vultômetro e ele informa se o usuário deve ou não mentir. Eremildo pretende testar o aparelho perguntando o seguinte a Fernando Collor de Mello: "Quanto o senhor acha que a quadrilha de PC Farias roubou?"

CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS
Madame Natasha tem horror a música. Como adora barulho, gosta de Carnaval. Habitualmente ela concede bolsas de estudos aos desafinados do idioma, mas desta vez resolveu dar um prêmio ao ex-presidente Fernando Collor de Mello, por ter chegado ao limiar uma criação filológica.
Collor chamou o presidente do PT, José Dirceu, de "lepidóptero" por ter dito que a mansão de rumbeira do embaixador Marcos Coimbra lhe pertencia.
Madame sabe que as borboletas e as mariposas são lepidópteros, mas lhe ocorreu a idéia de que além dessa espécie de animais exista a dos "clepidópteros". São as borboletas cleptomaníacas, aquelas que roubam e voam.

Uma nova receita de pizza para a CPI
Na tarde de quarta-feira o ministro da Fazenda, Pedro Malan, procurou um grão-tucano e manifestou-lhe sua preocupação diante do curso que vêm tomando as investigações da CPI dos Títulos Públicos. Malan pediu-lhe que desse atenção ao problema porque, a seu ver, a comissão está fazendo pontaria no Banco Central e disso poderia resultar a ressurreição da CPI do sistema financeiro, que o governo teve tanto trabalho para dinamitar. Com algo de profeta (ou de erudito), o presidente do BC, Gustavo Loyola, expôs raciocínio semelhante ao presidente Fernando Henrique Cardoso, em dezembro passado, antes da criação da CPI.
Malan faria melhor se expressasse essa preocupação em público. Isso porque, se não era justo que se desestabilizasse a banca, é também injusto que se leve a CPI dos Títulos Públicos ao forno. Como é difícil que Malan esteja pedindo uma pizza, o enunciado público de seus receios e de suas propostas fariam bem a todo mundo.
As ladroeiras cometidas com os papéis que a CPI investiga têm quatro pontas. Numa estão os governos que emitiram títulos sem terem as dívidas que deveriam justificá-los. Noutra, o Banco Central, que admitiu a propriedade das emissões. Na terceira está o Senado, que as autorizou. Na última, uma constelação de bancos e corretoras que manipularam o papelório. Até prova em contrário, qualquer uma das quatro pontas pode ser inocente, mas é impossível que esse quadrilátero dos precatórios, onde sumiram perto de R$ 2 bilhões em comissões e manipulações, seja obra da natureza.
No caso do Banco Central, que Malan presidia ao tempo da emissão de uma parte do papelório da Prefeitura de São Paulo, há mistérios que precisam ser desvendados.
Primeiro o BC vetou uma emissão de R$ 600 milhões do prefeito Paulo Maluf, liberando apenas R$ 24,7 milhões. Depois de uma auditoria que durou 24 horas, autorizou R$ 526 milhões e deixou outros R$ 99 milhões a juízo do Senado. A mão que negou 600 acabou oferecendo 625. Percebido o contra-senso, o diretor de Normas do BC, Alkimar Moura, disse à CPI, sob juramento, que a mudança derivou de um pedido de reconsideração, feito pelo senador Gilberto Miranda, em ofício. (Que valor deveria ter um pedido desse tipo, não se sabe.) O senador mostrou a cópia do ofício mencionado pelo doutor Alkimar, e nele não há pedido de reconsideração algum. Chamou-o de mentiroso, e o diretor do BC, mesmo não aceitando o adjetivo, retratou-se. Disso resulta que ele não mente, mas também não diz a verdade quando jura.
No caso dos papéis de Santa Catarina, Gilberto Miranda informa que o Senado só autorizou emissões amparadas em dívidas reconhecidas pelo Tribunal de Justiça. Outro mistério: por que o Banco Central liberou o papelório a toque de caixa, para cobrir dívidas inexistentes?
O Banco Central fez de tudo no caso dos títulos públicos. Autorizou, sempre com ressalvas, emissões estapafúrdias. Ressonou em cima de maracutaias perceptíveis por qualquer pessoa alfabetizada, com razoável conhecimento de apenas duas das quatro operações (não precisa saber multiplicar nem dividir). Usou deslealmente as maracutaias sobre as quais dormia para tentar desestabilizar a candidatura de Celso Pitta à Prefeitura de São Paulo. Como é que uma CPI produzida pela tenacidade de um senador (Vilson Kleinubing) pode investigar o quadrilátero sem olhar para a conduta do BC? É tão difícil quanto conduzir a CPI por um atalho que evite a exposição do Senado, que autorizava as emissões ignorando as ressalvas do BC.
Se o ministro Malan tiver uma boa idéia, ele a enuncia e proclama-se a felicidade geral. Do contrário, a receita da pizza será a seguinte:
primeiro some-se com a fatia do Banco Central; depois, com a do Senado e a dos governos que emitiram os títulos; sobrarão os bancos e as corretoras; como eles não poderiam ter feito coisa alguma sozinhos, come-se o último pedaço e entrega-se a caixa redonda de papelão à viúva.

Uma letra nova para o samba da privatização
Na primeira semana de março chegará às livrarias "A Nêmesis da Privatização", do economista José Carlos de Assis. Seu subtítulo esclarece o tema: "A receita brasileira de transformar indústrias de serviços públicos regulamentados em monopólios privados desregulados". Trata de um assunto relevante, porém abissalmente tedioso (a desestatização). Não é leitura fácil, mas será impossível atravessar suas cem páginas sem sair com a suspeita de que os sábios de Brasília e do BNDES estão anarquizando a idéia de privatização que a baronesa Thatcher ensinou ao mundo.
Assis não é contra o processo de privatização. Ele detesta monopólios e sustenta que o que se está fazendo é apenas e troca de monopólios públicos por privados.
Há no livro uma tirada brilhante. O governo diz que está privatizando os serviços públicos em defesa dos consumidores. Isso porque, em tese, a iniciativa privada lhes dará serviços melhores. Assis aceita a tese e pergunta por que, nesse caso, o governo não desregulamenta o obsoleto sistema de transportes urbanos intermunicipais e interestaduais de passageiros. É um serviço caótico, que azucrina um número de usuários maior que o do mercado de telefonia, talvez de tamanho próximo ao dos clientes das companhias de energia elétrica.
Ele responde: "Em relação ao transporte por ônibus, não há nenhum efeito espetacular junto às elites no caso de uma desregulação competitiva: apenas melhorariam, talvez, as condições de vida dos mais pobres. É sintomático como a questão, apesar do seu alcance, também seja ignorada pelos ideólogos neoliberais, que, se parecem tão indignados com os monopólios estatais, parecem indiferentes aos monopólios e oligopólios privados".

A coligação maluca produziu o voto doido
Um estudo atento da lista de deputados que votaram a favor da reeleição de FFHH mostra o absurdo que são as coligações de partidos em eleições proporcionais.
Numa eleição majoritária, para presidente, senador ou governador, os partidos se coligam em torno de um candidato, e os eleitores sabem em quem estão votando.
Na eleição proporcional, os partidos se coligam, e os votos vão para uma caçamba comum. Disso resulta que um candidato de um partido, com 200 mil votos, pode ajudar a eleger uma pessoa de outra sigla, que mal encostou nos 10 mil.
Na última eleição parlamentar, o PT aceitou uma coligação no Rio. Disso resultou que votos petistas transbordados elegeram os candidatos Alexandre Cardoso, do PSB, Fernando Gabeira, do PV e Sergio Arouca, do PPS.
Na hora da onça beber água, os três votaram a favor da reeleição. Donde: votos de petistas cariocas desfilaram no bloco do Serjão.

ENTREVISTA
José Márcio Camargo
(49 anos, professor de Microeconomia da PUC do Rio, autor do livro "Flexibilidade do Mercado de Trabalho no Brasil".)
*
"O Secretário de Obras da Prefeitura de São Paulo, Reynaldo de Barros, disse há dias que 'brasileiro é louco para não fazer nada e só trabalha se for apertado'. O que o senhor acha dessa visão carnavalesca do trabalhador brasileiro?"
"É um engano. O brasileiro trabalha muito e ganha pouco. Nossa jornada de trabalho é de 44 horas semanais. Na Alemanha, é de 37, nos Estados Unidos e na Argentina, é de 40 horas. A média da jornada semanal na indústria brasileira fica em 48 horas, número próximo do coreano. Se esse trabalho é aplicado em equipamentos obsoletos ou em processos anacrônicos, a culpa não é do trabalhador. Se ele é pouco qualificado e tem baixo nível educacional, a culpa também não é dele. A baixa qualificação deriva da alta rotatividade do mercado. A baixa escolaridade resulta do fato de ele ser obrigado a entrar no mercado ainda moço. Não só ele trabalha muito, mas trabalha muito desde muito cedo."
"Levando-se em conta que Reynaldo de Barros já foi prefeito de São Paulo e não é um bocó qualquer, de onde é que sai essa visão do trabalhador brasileiro como vagabundo?"
"Há um pedaço da elite que olha para o povo com preconceito. Há nisso alguma implicância com a alegria do brasileiro e também um ranço deixado pela escravidão, contra o trabalhador negro. Um exemplo dessa desconsideração está na maneira como se olha para o trabalhador informal. O sujeito passa por um garoto que vende biscoitos na rua e o vê como vagabundo. Na realidade, tanto o garoto como os outros camelôs e toda a mão-de-obra informal são gente que trabalha muito. Uma pesquisa feita em São Paulo indica que a jornada do trabalhador informal chega a 52 horas semanais."
"Quem se beneficia desse preconceito?"
"Como já disse o Darcy Ribeiro, o Brasil é uma máquina de triturar gente. As nossas estruturas políticas e econômicas estão montadas para atender a elite. O preconceito do trabalhador vagabundo pode querer legitimar essa situação, pressupondo que é inútil tentar melhorar as condições de vida do povo. Daí, os programas sociais de todos os governos viram fisiologismo, servindo mais à elite que ao trabalhador. É um preconceito tão forte que chega a ser impermeável aos números. Repete-se que o brasileiro não gosta de trabalhar, mesmo sabendo-se que, com a abertura econômica, a produtividade do trabalhador industrial cresceu 60%. O que isso quer dizer? Que quando a economia demandou o trabalhador, ele compareceu. Poucos países do mundo têm um número desses, mas continuamos falando de ouvir dizer."

Palpite infeliz
O senador Ney Suassuna, aquele que defendeu a manutenção da frota de carros no Senadinho carioca, argumentando que seu colega Josaphat Marinho, de 82 anos, precisava de alguém para ajudá-lo a carregar as malas, informa:
1) "Fui bastante infeliz ao fazer a referência ao senador Josaphat."
2) "Não defendo a manutenção do escritório do Senado no Rio, apresentei o projeto que o extinguia e relatei pelo seu fechamento. Entre despesas de pessoal e de manutenção, ele custa R$ 3,4 milhões por ano."
3) "Acredito que, enquanto a Câmara dos Deputados tiver um serviço de apoio nos aeroportos do Rio, o Senado deve manter o seu. Quando um acabar, o outro deve fechar no dia seguinte."

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