São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Falta de estrutura ameaça lei de doação

CRISPIM ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

A falta de infra-estrutura para se manter um paciente com morte cerebral (doador mais comum) em condições para que seus órgãos sejam utilizados para transplante pode tornar sem efeito a nova lei de doações em São Paulo.
A manutenção de um paciente nessas condições até a sua retirada do hospital pela central de captação de órgãos custa, em média, R$ 760. O valor pode variar.
Segundo médicos, esse custo faz com que muitos hospitais simplesmente "ignorem" um possível doador, não oferecendo a manutenção ideal ao corpo. Outro problema é a falta de leitos.
Os hospitais públicos, principal porta de entrada de doadores em potencial, preferem destinar a pouca infra-estrutura disponível aos pacientes vivos.
A nova lei torna todo cidadão um doador, caso ele não se manifeste contrário em documento. É a chamada doação presumida.
Para se aproveitar os órgãos de alguém com morte cerebral é preciso manter o organismo funcionando artificialmente em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) ou em unidade semi-intensiva, caso contrário o corpo se deteriora em poucas horas.
"Esse é um dos fatores que faz muitos hospitais não darem a atenção necessária ao doador. Garantir um doador é, em alguns casos, até mais caro do que manter um paciente na UTI", afirmou Alfredo Fiorelli, coordenador da central de transplantes da Secretaria Estadual da Saúde.
Segundo ele, o processo de retirada dos órgãos demora, em média, de 12 a 24 horas. "Se quisermos aumentar o número de transplantes e de doadores, vamos precisar ter uma rede hospitalar melhor", declarou.
No hospital do Jabaquara, um dos que mais recebem pacientes politraumatizados na cidade, a manutenção de um doador custa R$ 767,27. O valor seria menor (R$ 138,77) se não houvesse doação.
Segundo Thomaz Antonio Cardoso de Almeida, diretor técnico do hospital, esse custo adicional é uma dificuldade a mais para viabilizar a aplicação da nova lei.
"Em virtude do custo e da indisponibilidade de leitos, se eu tiver que optar, vou dirigir os recursos para socorrer os que estão com vida", declarou Almeida.
Além disso, ainda há o fato de os hospitais que fazem atendimento de urgência estarem trabalhando acima da capacidade.
"Tenho oito leitos de UTI e outros dez de semi-intensiva. Essa capacidade não me permite manter pacientes com morte cerebral porque tenho gente na minha porta precisando dessa infra-estrutura", afirmou Nádia Romariz, diretora do hospital do Mandaqui.
Segundo ela, para cada morte cerebral registrada no hospital há de dois a três pacientes aguardando um leito. "O dilema é saber por quanto tempo vou manter aquele leito preso, em detrimento do atendimento de outras pessoas."
Para o médico Telesforo Bacchela, presidente da comissão de transplantes de órgãos do Hospital das Clínicas de São Paulo, a nova lei vai causar pouco impacto.
"Não acho que haja um grande aumento nos custos, mas falta todo um outro lado de investimentos, de hospitais especializados."
Além disso, segundo Bacchela, a maioria dos médicos vai continuar consultando a família, mesmo com a doação sendo presumida.
"Isso é preciso para manter a credibilidade do sistema, e é mais um fator para tornar a lei inócua."

Texto Anterior: Contágio é igual ao da Aids
Próximo Texto: Como ficou a lei de doação de órgãos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.