São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
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Caudal normativo

OSIRIS LOPES FILHO

A fúria legislativa que caracteriza o governo FHC às vezes apronta algumas surpresas aos seus açodados autores. Tanto se legisla, tanto se modificam as regras, que diplomaticamente Roberto Campos, um crítico elegante, diagnosticou esse obrar de diarréia normativa.
Esse caudal de novas regras contaminou patologicamente o Imposto de Renda, enfraquecendo a pessoa física pela terrível diarréia, tanto que ela se tornou pessoa tísica, tal é a intensidade da sangria que ocorre, a lhe desidratar as energias financeiras.
A nova lei nº 9.430/96 introduziu um mundo de modificações, em nome do progresso, perdão, modernização. No balanço entre a benignidade e a violência, ganha o arrocho.
Mas houve uma surpresa para os legisladores de gabinete, montados na fortaleza do Executivo.
Na cláusula que trata da vigência e eficácia, introduziu-se, na Câmara, uma nova palavra. Justiça seja feita. A turma do Executivo não tinha utilizado essa palavra, que mudou muita coisa. Surgiram interpretações que o Executivo nunca esperou possíveis.
Geraldo Ataliba foi um crítico severo dessas disenteria normativa, a toda hora mudando nossas leis. Para pior, na maioria das vezes.
Ele lembrava que, feitas modificações na lei, até que se sedimentasse uma interpretação, podiam passar até cinco anos. Durante esse período, imperava a insegurança jurídica, ao não se saber com certeza qual o efetivo sentido e alcance da nova norma.
Mas chego ao ponto. O artigo 86, que trata da vigência da lei no tempo, diz que "esta lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos financeiros a partir de 1º de janeiro de 1997".
Pelo princípio da anterioridade, os efeitos da lei, no que ela agrava a incidência tributária, só ocorrem no exercício seguinte, mas a qualificação dos efeitos financeiros despertam várias interpretações.
O legislador, ao especificar dentre os vários efeitos da lei os financeiros, quis, parece claro, afirmar a aplicação benigna da lei ao exercício de 1997, ano-base de 1996.
Vale dizer, os dispositivos favoráveis ao contribuinte, inscritos na nova lei, aplicar-se-ão a seu favor já com relação aos fatos geradores ocorridos ainda no ano calendário de 1996. Não se consideram inúteis as palavras contidas na lei. Esse, um efeito que a burocracia brasiliense não esperava em face da nova palavra introduzida, que provocou a abertura de um amplo campo em favor dos contribuintes.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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