São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
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Leishmaniose se espalha pelo país e começa a atacar as cidades

DA REPORTAGEM LOCAL

A pobreza, a falta de recursos e o modo pelo qual são criadas e crescem as cidades brasileiras estão fazendo com que a leishmaniose se espalhe pelo país, chegue perto das cidades e atinja mais pessoas. Relatórios do Ministério da Saúde e pesquisas de universidades brasileiras, uma delas com apoio da Nasa, indicam como está se dando a urbanização da doença e sua expansão pelo país.
Há 40 anos, quando foi reconhecida como problema de saúde pública, a doença predominava no Nordeste rural. No final dos anos 70 e começo dos 80 ela surgia no Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
"O processo migratório, a ocupação de encostas (de morros) e aglomerados semi-urbanizados na periferia dos centros urbanos; desmatamento e assentamento em áreas florestais, além do processo predatório de colonização", são fatores que descrevem o aumento da leishmaniose cutânea no Brasil, segundo relatório do Programa de Controle de leishmaniose cutânea do Ministério da Saúde.
Em todo o país, mais de 35 mil pessoas ficaram doentes de leishmaniose cutânea em 1996 -essa forma da doença provoca dezenas de feridas e pode desfigurar o rosto e pele dos doentes.
Mato Grosso, Amapá, Rondônia e Pará, regiões de novas fronteiras de ocupação, foram, pela ordem, os campeões de incidência da doença nesse ano.
Pedro Monteiro, gerente do Programa de Controle do Calazar do Ministério da Saúde, também aponta o fenômeno de urbanização da leishmaniose visceral (ou calazar), que pode ser mortal.
"O calazar é uma endemia clássica de ocorrência rural, de regiões denominadas 'boqueirões' ou 'pés de serra'. Mas a migração de pessoas do interior dos Estados do Nordeste para as cidades, com seus cães infectados, fez com que se formassem novos focos de calazar", diz Monteiro.
Monteiro também observa, como seus colegas que combatem a leishmaniose cutânea no Ministério da Saúde, que as modificações provocadas no ambiente, especialmente o desmatamento, provocam a diminuição do número de animais silvestres. O mosquito passa, então, a procurar outras fontes de alimento, em regiões próximas a casas, picando e infectando homens e animais domésticos.
Deficiências no combate à doença, fome, pobreza e más condições de higiene também colaboram para a expansão da doença (leia texto abaixo).
Satélites
Carlos Henrique Costa, da Universidade Federal do Piauí, é um dos autores de um estudo internacional que envolveu também a Nasa (Administração Nacional de Espaço e Aeronáutica dos EUA) e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard para acompanhar a urbanização do calazar.
Os pesquisadores usaram imagens de satélite para conseguir a imagem digitalizada de Teresina.
O objetivo era tentar identificar as possíveis áreas de risco para a transmissão da doença.
Segundo Costa, a primeira epidemia urbana de calazar no Brasil teve origem em Teresina em 81. "Já havia casos em pequenas cidades do interior do Estado, mas o aparecimento de grande número de casos na capital era um fato inusitado", diz o pesquisador.
No ano seguinte, grande número de casos de calazar urbano foi relatado em São Luiz. "O mesmo fenômeno foi observado em Natal por volta de 87, chegando a Montes Claros (MG) e Belo Horizonte entre os anos de 91 e 93", diz.
Nova epidemia de calazar na região urbana de Teresina e em São Luiz foi observada em 93 e 94. "Hoje temos informes não-oficiais de calazar na periferia de Salvador e Fortaleza e em Aracaju."
O pesquisador sugere que a via de transmissão homem-inseto-homem possa desempenhar um papel importante nos bairros centrais das cidades. "Os cães são mais infectantes, mas estudos mostram que os insetos preferem o homem ao cão. Os vetores pousam três a quatro vezes mais no homem do que no cão."
Costa comparou também a incidência de calazar em famílias expostas à presença de cães e não expostas. "A presença do animal não é necessária para que ocorra a transmissão para o homem."

LEIA MAIS sobre a doença na pág. 5-13

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