São Paulo, quarta-feira, 12 de fevereiro de 1997
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Tribunal paulista mapeia fraudes em cartórios

FÁBIO SANCHEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

A corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo mapeou no ano passado, por meio de uma série de investigações especiais, as fraudes fiscais e financeiras que ocorrem nos cartórios do Estado.
Diretamente beneficiados por uma legislação que lhes garante uma reserva de mercado (é proibida a criação de novos cartórios), os integrantes desse ramo de atividade movimentam mais de meio bilhão de reais por ano.
Descobriu-se que pelos cartórios escoa muito dinheiro sobre o qual não há controle oficial. É dinheiro pago pela emissão de documentos, mas que não fica registrado.
O Tribunal de Justiça fez, no ano passado, 19 correições extraordinárias -investigações feitas sem aviso prévio. "O que vimos foi impressionante", diz o juiz Márcio Bonilha Filho, daquele Tribunal.
Após essas correições, 11 donos de cartórios perderam suas delegações ou foram aposentados compulsoriamente. Em 9 casos, os juízes precisaram nomear interventores para que os estabelecimentos cumprissem a lei.
Os juízes flagraram fraudes na arrecadação do dinheiro, livros de escrituração com espaços em branco -que permitem a "fabricação" de documentos- e até livros com registro de caixa dois.
Verificou-se que vários cartórios cobram acima dos preços de tabela e simplesmente deixam de registrar alguns dos serviços que prestam, sonegando impostos.
Livro no banheiro
Durante a correição no Cartório de Registro Civil de Perdizes (zona oeste de São Paulo), os juízes encontraram no banheiro feminino o livro no qual se registrava uma polpuda arrecadação paralela.
Mais de 20% do que o cartório arrecadava não era declarado. No dia da correição, o número de reconhecimentos de firma registrados duplicou. Além disso, o cartório chegava a cobrar R$ 5 por atos que custam R$ 0,83.
No 6º Tabelionato de Notas (zona central de São Paulo), os juízes flagraram em fevereiro a sonegação de 50% do dinheiro que entrava, além de falsificação dos valores apresentados em suas planilhas.
Para o juiz auxiliar da corregedoria, Marcelo Berthe, é comum que se encontre nos cartórios a "prática reiterada, sistemática e organizada de sonegação".
Mas, mesmo sem sonegar, os cartórios têm lucros vultosos. Uma investigação feita no Cartório de Registro Civil de Vila Formosa (zona leste de São Paulo) verificou que eram sonegados cerca de R$ 30.000 por mês, mas, mesmo que o cartório registrasse esse dinheiro, sobraria um lucro líquido mensal de R$ 35.000.
Selo
Para frear a sonegação, no início de novembro o Tribunal de Justiça obrigou os cartórios a colar um selo numerado em todos os atos de autenticação de documentos e reconhecimentos de firmas. A novidade permite saber quantos atos do tipo foram feitos, já que a empresa que fabrica os selos informa sua produção à corregedoria.
Estimou-se, no primeiro mês, que seriam feitos pelo menos 10 milhões de atos do tipo por mês. Verificou-se que o número era muito maior: naquele mês foram utilizados 25 milhões de selos.
Antes não havia nenhum tipo de registro para esses atos, já que eles produzem documentos que são levados pelos clientes. A corregedoria acredita que esse era um ralo por onde escorria enorme quantia de dinheiro. Há cartórios em São Paulo que chegam a realizar mais de 150 mil atos do tipo por mês.

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