São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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Em nome da lei

JANIO DE FREITAS

Mais do que atestar a apropriação indevida de poderes pela presidência de Fernando Henrique Cardoso, os magistrados estão lançando, com sua Carta à Nação, um movimento sem precedentes de defesa contra "a concentração de poder que já se vai fazendo ameaçadora à normalidade institucional".
A Carta e o segundo compasso que o movimento terá amanhã, com o Dia de Mobilização Nacional pela Cidadania e a Justiça, organizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros, constituem, por seu significado e ineditismo, o fato político de maior importância, senão mesmo o único de importância verdadeira, desde o início do governo de Fernando Henrique Cardoso.
O noticiário inicial sobre o lançamento da Carta incorre na imprecisão, muito conveniente ao fernandismo, de atribuir à atitude dos magistrados o caráter, apenas, de reação aos insultos de Fernando Henrique e Sérgio Motta aos juízes, na semana passada. Muito antes desses incidentes, na verdade, os 27 presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil já tinham marcada para domingo 23, em Macapá, a reunião do Colégio Permanente que os integra. Do mesmo modo, já a Associação dos Magistrados Brasileiros comunicara aos jornais, obtendo embora pouca divulgação, que o dia 26, amanhã, estava reservado a um protesto nacional dos magistrados contra várias intenções e atos do governo.
Não faltaram, também, referências explícitas precedendo a Carta com o mesmo teor. Os ministros Carlos Velloso e Romildo Bueno de Souza, respectivamente do Supremo Tribunal Federal e presidente do Superior Tribunal de Justiça, além de outros, reprovaram de público o abuso de Medidas Provisórias como método de governar. O novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Thiago Ribas, há tempos vem coordenando um inquérito entre juízes de todo o país, para a formulação de aprimoramento do Judiciário e de seu fortalecimento institucional.
A Carta é comedida e elegante, mas clara. "O crescente agigantar-se do Poder Executivo", por incursão indevida no papel dos outros dois Poderes, "ameaça e deprime" o funcionamento do restante do Estado. Os presidentes dos Tribunais de Justiça expõem a preocupação "com a visível inclinação dos governantes a subordinar o sistema constitucional aos projetos de governo, ao invés de ajustarem tais programas à ordem jurídica existente". Daí decorre que "interesses momentâneos" (não é preciso explicitá-los, é?) são sobrepostos aos "objetivos nacionais permanentes".
De um modo ou de outro, seja como indivíduos ou como coletividade, todos dependemos sempre do Judiciário. É lá, é nos magistrados, que se depositam as esperanças de ver reparada a lesão a um direito e respeitada a condição de pessoa e de cidadão. Em muitas questões coletivas, ultimamente, e nas questões institucionais quase sempre, não se pôde contar muito com as instâncias superiores do Judiciário, tendente à política da acomodação. Suprindo sua ausência, a OAB foi de importância fundamental, sobre tudo quando presidida por Raymundo Faoro, para a reconquista dos Direitos Civis tirados pelos militares. Não se ouve mais a voz da OAB.
Os chamados "intelectuais", coadjuvantes e estímulo da luta pela volta a instituições democráticas, incorporaram-se ao contingente dos animais em extinção. A CNBB, de tão importante papel na junção dos ideais de democracia com os de justiça social, sofre a divisão ou retrocesso imposto pela supremacia dos ultramoderados e dos conservadores na Igreja.
Os magistrados assumem o papel que já lhes cabia, na defesa do regime constitucional democrático. É um fato sem precedentes por aqui. E de importância idem.

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