São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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Livro reflete nosso mundo

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos anos 70, era o livro "LSD", de John Cashman (Editora Perspectiva), que passava de mão em mão no circuito universitário. Agora, chega ao Brasil "Ecstasy e a Cultura Dance.
Sem fazer apologia desta ou daquela droga, tais livros devem embutir o retrato de uma época e serem lidos longe das arcadas judiciais, mas por meio da lupa comportamental; afinal, o mundo em que se vive reflete-se na droga que se toma.
"Ecstasy e a Cultura Dance" traz um histórico da droga e de sua posterior proibição, um balanço dos efeitos pessoais e sociais e analisa danos físicos e psicológicos e as experiências em rituais.
O autor foi cuidadoso em destacar o ambiente em que ela se proliferou, as "raves" (festas surpresas em grandes espaços), e a cultura dance gerada por usuários e simpatizantes. Mas não conseguiu esconder um ligeiro deslumbramento.
O LSD e o ecstasy não pertencem a cultos de povos antigos. São drogas de laboratório, cujos "sintomas são familiares", escreveu. Foram inventadas com intenções terapêuticas, na era de contestação à psicanálise -procuram-se sanar distúrbios psicológicos por meio da química e não de um longo e custoso tratamento em divã.
Uma das qualidades do livro é mostrar as deturpações sobre a droga, típico em uma imprensa sensacionalista -o autor prova que jornalistas manipularam dados para mistificar o ecstasy.
No entanto, o autor usa argumentos quase infantis para explicar a proibição, que seria um lobby da indústria do álcool e tabaco, e que os jovens querem se divertir, "mas o governo é contra".
Saunders, um usuário confesso, afirma que, na Irlanda do Norte em guerra, jovens católicos e protestantes se unem quando o assunto é "rave" e ecstasy, e que "hooligans" (torcedores de futebol) tornam-se dóceis sob efeito da droga. Sugere que o ecstasy traz a união de povos e pacifica conflitos insolúveis. Será?
Dentro de um ambiente onde as relações pessoais são tensas e regradas (travadas), como entre a juventude inglesa e norte-americana, o ecstasy torna-se a salvação. Já em países latinos como Itália, Espanha e Brasil, onde a afetividade extrapola esferas da razão, a droga é pouco usada.
"A droga do sexo", "a droga da diversão" ou, como preferem os apocalípticos, "a droga do futuro", talvez não passe de uma pílula de espaço e momento restrito na história das drogas. Talvez.

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