São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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Chatice que vale a pena

FERNANDO CANZIAN

São Paulo - Apesar da cara de chatice inominável, o caso do sumiço do dinheiro investigado pela CPI dos Precatórios merece a atenção nacional. O risco de o assunto crescer e desaparecer sem solução é enorme.
Trata-se de uma daquelas negociatas complicadas. Tem nomes aborrecidos e, por cima de tudo, um ar de "soberba técnica". Fala-se em precatórios, títulos públicos e distribuidoras de valores. Enfim, um troço que parece difícil de entender.
Nada disso: primeiro, porque é um bom teste de paciência e inteligência. Um quebra-cabeças sofisticado, com personagens, gente grande e muito dinheiro envolvido. A propósito, se o teste de QI não tiver apelo, pode-se pensar, como isca ao interesse, que os R$ 600 milhões desviados no caso poderiam comprar 42,8 mil Gols ou 17 aviões Jumbos. É dinheiro grosso em qualquer lugar do mundo.
Vale lembrar também que estes mesmos R$ 600 milhões, se não tivessem sido desviados, teriam pago os tais precatórios. Apesar do nome horroroso, precatórios não passam de dívidas judiciais. De uma indenização que um Estado ou prefeitura deve pagar a uma velhinha que venceu uma ação de desapropriação, por exemplo. No caso, a velhinha vai ter de continuar na fila, esperando.
Se o desafio do quebra-cabeças, os Gols, Jumbos e a velhinha ainda não impressionaram, resta a parte "mais sensível", como dizem, de todos nós: o bolso. No limite, quem tem um crediário nas Casas Bahia ou uma prestação de um Gol pode estar gastando mais por causa dos malditos precatórios.
Pois, para pagar os precatórios, os Estados e prefeituras vendem no mercado montanhas de papéis. São títulos que, para serem aceitos, embutem juros cada vez maiores.
Com o tempo, estes juros tendem a quebrar Estados e municípios (isso já aconteceu algumas vezes). E o governo federal sempre acaba ajudando, emitindo seus próprios títulos, com juros cada vez mais altos. No final, também empurram para cima os juros das Casas Bahia e do Gol. Aí, já não é mais preciso estar interessado para perceber quem vai pagar a conta.

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