São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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O golpe obsceno

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Analisando-se friamente a forma e o fundo da emenda da reeleição, já aprovada em primeira votação, fica evidente que se trata de um golpe -golpe legalizado, como foram muitos outros em nossa história e na história de outros países, onde a tradição democrática não chega a ser notável.
Em geral, temos a idéia latino-americana do golpe. É a sua versão militar, a liturgia do pronunciamento e da movimentação de tropas que ocupam determinados logradouros públicos e prédios onde estão sediado serviços de primeira necessidade, como hidrelétricas, comunicações, ferrovias etc.
Não foi esse o caso. O golpe da reeleição foi negociado com o Congresso da forma que conhecemos, embora ainda não possamos saber com exatidão o que foi negociado e por quanto. Não se trata de condenar o princípio em si, que é matéria realmente constitucional e pode ser modificado em nível de estrutura operacional do poder. Não é por aí que o episódio representou um golpe nas instituições.
O caráter golpista, apesar de tudo, fica nítido quando se sabe que a emenda foi imposta para dar continuidade a um grupo que está no poder e não aceita a limitação constitucional com a qual e para a qual foi eleita. Falo em grupo quando deveria falar apenas na pessoa do atual presidente da República, que manobrou com a força que a nação lhe deu para governá-la dentro de limites precisos e usou dita força para arrancar um direito que não tinha.
O fato de o Congresso ter aprovado a emenda legalizou o golpe mas não alterou a sua essência golpista. Outros golpes foram legalizados em nossa história, a priori ou a posteriori -e mais diria se não fosse para tão longa história tão curto o espaço.
Num desses golpes passados, o poeta Manuel Bandeira -que não era de esquerda- classificou-o de obsceno. Se atentarmos ao modo pelo qual o golpe da reeleição foi desferido, o poeta usaria a mesma palavra.

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