São Paulo, quinta-feira, 6 de março de 1997
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Divisão linguística acentua choque entre norte e sul

ANDREW GUMBEL
DO "THE INDEPENDENT", EM ROMA

O conflito albanês segue uma fronteira histórica e cultural notória e traz à tona a possibilidade muito real de guerra civil ou até mesmo de divisão do país, no caso de um impasse prolongado.
A Albânia sempre foi dividida, pela tradição, em dois grupos tribais: os ghegs, que vivem no norte do país e se expandiram para Kossovo (região da Iugoslávia) e o oeste da Macedônia, e os tosqs, no sul. Suas diferenças são basicamente linguísticas -os ghegs falam uma variante mais rudimentar, menos sofisticada de albanês do que os tosqs-, mas também podem ser percebidas em termos de educação, hábitos de vida e, retrocedendo à era pré-comunista, práticas religiosas.
O presidente Sali Berisha, um gheg típico nascido num povoado do norte do país, luta para impor sua autoridade sobre a metade do país com que tem poucos vínculos culturais. Considera-se geralmente que a linha divisória norte-sul é o rio Shkumbin. Essa é também a linha que demarca as fronteiras do conflito atual.
A capital, Tirana, está no norte do país, geograficamente falando, mas em outros sentidos integra o sul -é uma cidade culta, aberta ao mundo externo e que desconfia do mundo sigiloso, essencialmente mafioso das grandes famílias, com suas vendetas sangrentas, que ainda domina o norte do país.
Uma das razões pelas quais Berisha conseguiu retratar-se como anticomunista ferrenho foi o fato de haver nascido no extremo oposto de onde nasceu Hoxha -Gjirokastër, extremo sul.
Os partidos de oposição, especialmente os socialistas, mantiveram suas bases no sul -por razões não apenas políticas, mas também culturais- e se ressentem do influxo de "selvagens nortistas" na estrutura nacional de poder. Todas as vezes em que as manifestações foram dispersadas violentamente pela polícia, ou em que intelectuais foram atacados por bandos de rapazes usando jaquetas de couro, as descrições dos agressores sempre especificam que eles falam com sotaque gheg.
O crime organizado na Albânia também segue as divisões tribais. Os especialistas acreditam que os ghegs estejam profundamente envolvidos no tráfico de drogas e no contrabando de cigarros, utilizando suas redes secretas -que contam, pelo menos em parte, com a ajuda de burocratas ghegs.
A rivalidade entre ghegs e tosqs é muito mais do que um exercício acadêmico de diferenças culturais; em alguns momentos, já chegou a ameaçar a própria sobrevivência da Albânia. Durante a Segunda Guerra, o Exército grego ocupou a maior parte da Albânia tosq, que os gregos chamavam de Épiro do Norte e que, em diversos momentos, ambicionaram anexar. Em 1946 o Congresso norte-americano fez uma proposta notória, nunca implementada, de dividir o país entre a Grécia e a Iugoslávia -mais uma vez, seguindo as velhas divisões tribais e geográficas.

Tradução Clara Allain

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