São Paulo, sábado, 8 de março de 1997
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Empreiteiros criticam projeto do governo

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O anteprojeto da nova lei de licitações preparado pelo governo está sendo duramente criticado pelas empreiteiras. Elas avaliam que o texto dá liberdade excessiva às estatais, aos Estados e municípios e abre espaço para manipulação nas concorrências públicas.
"O texto vai levar o setor de volta ao feudalismo. Ele acaba com o espírito da concorrência e consegue ser mais reacionário do que o antigo decreto-lei 2.300, feito no regime militar", diz Eduardo Capobianco, presidente da comissão de obras públicas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.
O anteprojeto foi preparado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, mas sofreu várias alterações na Presidência da República. O prazo para consulta pública vai até 19 de março e, em seguida, ganhará uma redação final no governo e irá para o Congresso.
Na última terça-feira, dirigentes do Fórum da Construção Pesada reuniram-se com o ministro Bresser Pereira, da Administração, e expuseram suas preocupações.
Um artigo criou pânico entre os empreiteiros: o que admite que licitações para obras públicas sejam definidas por pontuação técnica, o que já está abolido no setor desde 1993, com a aprovação da lei 8.666.
"O julgamento por melhor técnica é muito subjetivo. Todos os picaretas que queriam direcionar o resultado de concorrências no passado usavam a nota técnica", afirma Capobianco.
Os dirigentes do fórum pediram a Bresser que seja acrescentado um parágrafo ao anteprojeto proibindo a realização de licitações de obras pela melhor técnica.
Segundo o coordenador do fórum, José Alberto Pereira Ribeiro, o ministro "se mostrou sensível" à argumentação dos empreiteiros.
Liberdade excessiva
Há divergências no setor em relação ao anteprojeto, em função dos conflitos de interesses entre pequenas e grandes empreiteiras.
Apesar disso, há consenso de que o texto dá liberdade excessiva aos Estados, municípios e às estatais.
O texto proposto pelo ministério é divido em três "títulos". Estados, municípios e estatais são obrigados a seguir apenas os princípios e normas gerais.
Pelo anteprojeto, cada município poderá ter seu próprio regulamento de licitação, desde que seja aprovado por lei municipal, enquanto as Assembléias aprovarão os regulamentos dos Estados.
As estatais precisarão apenas submeter seus regulamentos à aprovação da "autoridade superior" do órgão a que estiver vinculada, ou seja, ao ministro da área.
"Essa liberdade total prevista no anteprojeto é muito perigosa", diz o empreiteiro Carlos Gebara, presidente da comissão de obras públicas do Sindicato da Indústria da Construção (Sindicon) do Rio.
O presidente do Sindicon de São Paulo, Sérgio Porto, concorda e diz que, pelo texto, "o Executivo vai poder fazer o que quiser".
Na reunião que tiveram com Bresser, os dirigentes do fórum da Construção Pesada propuseram que os regulamentos das estatais sejam aprovados pelo presidente da República, dada a alta rotatividade de ministros no Brasil, e que os pequenos municípios sigam os regulamentos dos Estados.
Queda-de-braço
O anteprojeto divulgado pelo governo vai aguçar os conflitos entre pequenas e grandes empreiteiras.
O texto propõe a volta dos atestados de capacitação técnico-operacional das empresas que forem participar de licitações públicas.
Pela legislação atual, elas são obrigadas apenas a comprovar que possuem profissionais com capacitação para fazer o serviço.
Segundo o anteprojeto, o setor público poderá exigir que as empresas apresentem até cinco atestados comprovando que já fizeram obras semelhantes à da licitação.
Para Capobianco, se este artigo for aprovado, o governo vai criar uma reserva de mercado: "Isto é um absurdo. O governo deve estimular a abertura do mercado, não a formação de cartéis", diz ele.
Várias entidades do setor, no entanto, apóiam a volta dos atestados de capacitação, alegando que a legislação atual criou distorções, como a do técnico de aluguel.
Profissionais de alta capacitação estariam emprestando seus nomes a pequenas empresas, sem trabalhar nelas de fato.
Há uma outra exigência considerada fatal para as pequenas empresas. O anteprojeto permite que os órgãos públicos exijam garantias equivalentes a até 100% do valor da obra a ser contratada, quando o máximo previsto hoje é de 10%.
Seguradoras
Para Capobianco, a exigência de capacitação técnico-operacional e o aumento da garantia financeira, somados, vão permitir que as grandes empreiteiras combinem entre elas o vencedor da licitação.
Um outro artigo diz que se a empresa apresentar seguro-garantia de 100% do valor da obra, poderá ser dispensada de comprovar sua qualificação técnica e econômico-financeira. Carlos Gebara, do Sinduscon do Rio, diz que este artigo dará às seguradoras o poder de decidir uma concorrência.
O anteprojeto também prevê punição para empresas que entrarem, por má-fé, com recursos administrativos pedindo a anulação de concorrências. O administrador poderá, neste caso, pedir abertura de processo contra a empresa.
Este artigo é apoiado por grande parte das entidades do setor, segundo as quais foi criada uma "indústria" de impugnações de concorrências no Brasil.
"As construtoras, hoje, têm dois advogados para cada engenheiro. Isso é uma aberração", diz o coordenador do fórum da Construção Pesada, Pereira Ribeiro.
O presidente da Associação das Construtoras de Centrais Enérgicas, Mário Pinto, admite que o projeto vai desencadear mais uma queda-de-braço entre grandes e pequenas empreiteiras: "Vai ser mais uma, entre tantas".

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