São Paulo, sábado, 8 de março de 1997
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A globalização da economia

NIGEL LAWSON

Em pouco mais de uma década, saímos de um mundo no qual o contexto político era claro, mas em que os rumos econômicos eram relativamente confusos, e ingressamos em um mundo politicamente confuso, porém em que os rumos econômicos ficaram bem mais claros.
Esse novo panorama é regido pela economia de mercado, que, hoje -como jamais antes-, tem sido aceita em praticamente toda parte do mundo como sendo o único modelo capaz de levar ao progresso econômico. Paralelamente, como reforço para esse fato tão significativo, surgiu o fenômeno denominado globalização.
Hoje em dia, as grandes empresas multinacionais pensam -e são obrigadas a pensar- em termos de mercado global. O fato de, atualmente, o investimento externo direto aumentar bem mais rápido do que o comércio exterior -que, por sua vez, tem aumentado em ritmo maior do que as economias como um todo- é mais um sintoma importante da globalização.
A peça fundamental em tudo isso tem sido a liberdade de movimento do capital. Durante décadas, os países desenvolvidos viviam em um mundo no qual o comércio era relativamente livre, mas em que fluxos de capital eram rigorosamente controlados. A transformação que hoje vivenciamos, bem como a forma como esta ocorreu, foi de natureza quase darwiniana.
É claro que sempre existiram pessoas que pregavam as vantagens do livre movimento de capital, argumentando que as restrições que se aplicavam à sua mobilidade eram prejudiciais à economia. Mas o fluxo livre de capitais não teria se difundido pelo mundo de tal maneira se não fosse a informática, que tornou a imposição de controles cambiais tão evidentemente ineficaz que até os governos, que a princípio eram a favor de tais controles, perceberam que não valia mais a pena mantê-los em vigor.
Em outras palavras, como consequência da revolução da tecnologia da informática e da facilitação dos fluxos de capital por ela desencadeada, medidas para o controle do câmbio -mesmo mantendo o seu potencial nocivo- não mais desempenhavam um papel seguro na consecução dos objetivos desejados pelos governos que os impuseram.
As consequências têm sido das mais profundas. A liberdade dos fluxos de capital vem dando um impulso adicional ao investimento externo direto, que, por sua vez, vem desencadeando um forte estímulo ao comércio. Hoje em dia, grande parte do comércio internacional se dá entre unidades de empresas multinacionais, ou seja, entre fábricas de um mesmo grupo, localizadas em países distintos.
Mas isso também significa que os mercados financeiros vêm ocupando espaços cada vez maiores. Por exemplo, assumiram em grande parte o papel do FMI e do Banco Mundial.
Para os países em desenvolvimento, hoje em dia não existe mais a perspectiva de financiar seus déficits de conta corrente junto ao FMI: são os mercados financeiros que realizam essa tarefa. E mais ainda, países em desenvolvimento que seguem políticas conscientes têm a possibilidade de atrair imensos fluxos de capital de empréstimo do setor privado, ou seja, de fundos captados nos mercados financeiros e não de instituições da esfera pública, como o Banco Mundial.
É claro que isso não significa que possamos descartar a disciplina financeira que o FMI, com toda razão, sempre exigiu. Os mercados financeiros impõem a sua própria disciplina, que em certas situações pode ser extremamente severa. Mas tal disciplina é de natureza mais aceitável para a maioria dos países do que o vexame de ter de solicitar a aprovação de suas contas junto a uma instituição internacional e dos governos dos países que a controlam.
Tudo isso tem exercido um profundo impacto sobre a formulação de políticas públicas. Por um lado, a limitação imposta pela balança comercial deixou de ser problema para um país com uma economia bem administrada. Por outro, os governos nacionais tornaram-se mais fracos do que nunca, em face dos imperativos do mercado, e as políticas, por sua vez, têm que ser exercidas à luz desse conhecimento.
Se tudo isso parece bom demais para ser verdade, é porque realmente é. Além das oportunidades existentes, há também perigos muito reais, representando os riscos acarretados pela evolução. Em primeiro lugar, mais do que nunca nesta época em que os mercados financeiros são mais poderosos do que antes, existe o risco de inversões repentinas nos fluxos de capital, que podem, por sua vez, causar imensos estragos econômicos.
Em segundo lugar, existe a preocupação de que a globalização poderá conduzir à perda de empregos em grande escala, tendência esta que não poderá ser revertida a não ser por meio de medidas protecionistas, por sua vez altamente prejudiciais.

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