São Paulo, sábado, 8 de março de 1997
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Texto e atriz apóiam "Crime Perfeito"

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Saídos do Seminário de Dramaturgia do Arena, exemplar e pouco conhecida experiência de germinar uma nova dramaturgia à luz de experiência igual nos anos 50, Alzira Andrade e Mauro Toledo Filho escreveram uma peça de bela "carpintaria", como se diz, com "Crime Perfeito".
Mas também um texto que junta as qualidades aos equívocos próprios das chamadas "peças bem-feitas", "well made plays", de meio século atrás.
Peças como as do inglês JB Priestley, em que o cuidado exato com a tensão, o desenvolvimento milimetrado da trama, a composição detalhada do personagem -sem falar de uma quase obsessão com o suspense- surgem antes como armadilhas formais que evitam o aprofundamento do fato teatral, propriamente.
É uma peça engenhosa, em que o público demora a reconhecer o que acontece; e quando o faz, com pistas deixadas aqui e ali, é para descobrir que foi enganado. Uma engenhosidade que chega ao extremo com a "interatividade" de levar o público a escolher um de três finais possíveis.
Em meio a tantos desvios e jogos, "Crime Perfeito", que não deixa de lembrar -para citar uma autora menos reconhecida do que Priestley- Agatha Christie, termina em vazio singular, frustrante, como experiência teatral.
Os "cônjuges náufragos" Vivien e Cláudio, em tragédia que poderia ao menos vazar pela peça, desaparecem sob "efeitismos" vários de "carpintaria", de escritura (não diferentes, à sua maneira, do "efeitismo" visual da direção de teatro, sempre tão questionado pelos dramaturgos em geral.)
Um "efeitismo" que se estende por citações contemporâneas intermináveis, por clichês, do carro japonês ao "é uma vergonha", que denunciam aflição por encontrar humor a todo custo.
Em alguns momentos a avalanche kitsch chega a ameaçar alcançar um outro modelo de "carpintaria", a "screwball comedy" dos anos 20 na Broadway, dos anos 40 em Hollywood (os filmes de Katharine Hepburn). Mas também aí não se sustenta.
Não deixa de ser, de todo modo, um belo exemplar de nova dramaturgia, inclusive na temática fim-de-século, da violência urbana; também da "virtualização", da banalização das relações interpessoais. Um primeiro texto que dá esperança de estar diante de dois bons jovens -e inexperientes de palco- autores.
Têm ambos um grande aliado na interpretação de Denise Del Vecchio. A atriz esforça-se, é manifesto, por tirar o máximo possível de cada palavra, de cada "fantasia" de sua mulher de político traída, ou de sua dona-de-casa entre histérica e vingativa.
Não tem nas mãos, porém, uma encenação que inspire o esforço. A produção é obviamente limitada, nos recursos financeiros; poderia ao menos ter direcionado o pouco que tinha no que tinha de melhor, de mais empolgado, precisamente o texto e a atriz.
Em lugar disso, amontoa o palco e antes atrapalha e confunde a interpretação e o próprio desenvolvimento da peça.

Peça: Crime Perfeito
Direção: Roberto Vignati
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 011/278-9787)
Quando: quinta a sábado, às 21h30, e domingo, às 20h30
Quanto: R$ 8

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