São Paulo, sábado, 8 de março de 1997
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Ameaça de sem-teto vira mote literário

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

Diz a lenda da profissão que cada jornalista tem um livro na cabeça, sonha com o romance de sucesso, que vira filme e muito dinheiro. Peter Blauner chegou lá.
Nova-iorquino de 37 anos, é casado com uma repórter da CNN. Ex-jornalista, hoje escritor de sucesso, acaba de vender para o cinema os direitos de seu último livro, "O Intruso", que está chegando às livrarias brasileiras.
Nesta entrevista concedida na quarta-feira, por telefone, de Nova York, Blauner fala sobre seu processo de trabalho e a relação entre literatura e cinema.
*
Folha - Quando e como o sr. resolveu ser escritor?
Peter Blauner - Sou de Nova York, cresci aqui e sempre quis escrever sobre a vida real, o estado das coisas em Nova York.
Quando saí da faculdade, decidi trabalhar como jornalista para ganhar a vida, mas principalmente para conhecer a vida de outras pessoas, não ficar escrevendo e reescrevendo a minha própria biografia, como muitos escritores fazem.
Trabalhei na "New York Magazine" por dez anos, mas a idéia sempre foi colher material e desenvolver minha capacidade de escrever. Até que chegou um ponto em que pensei: "Ou você salta fora agora e vai escrever, ou segue em frente e, quando chegar aos 50, vai olhar para trás e pensar que devia ter caído fora quando era tempo".
Folha - Quando foi isso?
Blauner - Eu tinha 28 anos. Meu primeiro livro foi sobre um agente da condicional de NY, "Slow Motion Riot" (que ganhou o Prêmio Edgar de melhor novela de estréia, espécie de Oscar para a literatura policial e de suspense).
Como jornalista, eu estava fazendo uma reportagem sobre a situação de agentes da condicional, e aquilo me pareceu ter um bom apelo para uma história. Então, saí da revista e trabalhei como voluntário no Departamento de Condicional por seis meses.
Depois, escrevi "The Cassino Moon", sobre a máfia do jogo. Procuro escrever sobre pessoas que vivem à margem da sociedade, onde acho que está o verdadeiro drama. Elas só têm duas opções: trabalhar como desgraçadas para tentar voltar à sociedade ou criar um mundo marginal, como as que vivem nos subterrâneos de NY.
Folha - Esses miseráveis ganham o primeiro plano em "O Intruso". Como surgiu a idéia para o livro?
Blauner - Eu estava passeando com meu filho em Manhattan, quando passei pela H & H Bagels, uma loja de bagels (pãozinho judaico) na esquina da Broadway com a 80. Empurrava o carrinho de bebê quando um sem-teto pula na minha frente, arma um soco e começa a berrar: "Pode chamar a polícia, eu vou te matar!"
Ia me defender, já estava pronto para agredir o sujeito, mas pensei: "Espera aí, estou com meu filho, isso é ridículo, vou sair daqui".
Saí, não aconteceu nada. Mas fiquei pensando que aquilo poderia ser material para uma história: a resposta das pessoas de classe média à violência nas ruas.
Comecei a escrever e achei que o personagem, o advogado, era muito quadrado, a história estava meio fora de foco. Resolvi dar mais importância para o sem-teto, acho que ele é o principal personagem.
Folha - Na pesquisa para o livro, o sr. foi trabalhar em um abrigo para sem-teto.
Blauner - Trabalhei por um ano, mais ou menos. Para ter essa experiência, para entender como pensam essas pessoas, ver como é sair de um mundo para outro. Você vive em uma casa, tem trabalho e, de repente, fica sem emprego, sem casa, na rua -o processo psicológico é interessante.
Folha - Nessa pesquisa, enfrentou algum tipo de problema?
Blauner - No abrigo, não. Mas tive nas pesquisas de rua, quando fui ver como viviam as pessoas que moravam nos subterrâneos. Um deles pulou na minha frente e perguntou: "Você perdeu alguma coisa aqui? Então, te manda". E começou a jogar coisas em mim. Minha sorte é que ele não tinha boa pontaria. Terminei o trabalho mais cedo naquele dia.
Folha - O sr. já vendeu os direitos do livro para o cinema. Não teme o que pode acontecer? Um trabalho que lembra o seu, "A Fogueira das Vaidades", é um bom livro que resultou em um filme ruim.
Blauner - Talvez um dos piores filmes de todos os tempos. Eu desejo sorte para os produtores do filme. Para mim, livros são livros e filmes, filmes. O livro é minha responsabilidade. Se você gostar, me cumprimente. Se não, soque meu nariz. Eu respondo por ele.
Folha - Então, não há envolvimento seu no projeto?
Blauner - É, eu acho que eles gostariam que eu mantivesse uma distância respeitável do trabalho deles.
Folha - Com seus livros e a venda dos direitos para o cinema, já deu para enriquecer?
Blauner - Posso viver como um escritor e fico satisfeito com isso. Eu tenho sorte. Muitos escritores melhores que eu nunca conseguiram chegar a esse ponto.

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