São Paulo, sábado, 8 de março de 1997
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O pobre bate à porta da classe média

RODOLFO LUCENA
DA REDAÇÃO

Jake Schiff é um sujeito feliz. É assim que ele se vê no espelho, depois de uma trepada com sua bela mulher, Dana, em sua confortável casa no Upper West Side, bairro elegante de NY.
John G. não é nada. Já teve mulher, uma filhinha maravilhosa, emprego. Hoje está nas ruas, engrossa o exército dos sem-teto de Nova York, dos drogados que subvivem nos subterrâneos da cidade.
Os dois se enfrentam em "O Intruso", de Peter Blauner, que a Bertrand Brasil está lançando, em tradução do jornalista e escritor Fausto Wolf.
O pivô da história é a compreensiva Dana, que trabalha como assistente social em um serviço de atendimento a sem-teto. Ela se interessa por John, um dos seus pacientes, que parece ter chance de recuperação e mostra momentos de vontade de viver melhor.
O sem-teto fica doidão por ela. Persegue a fina quarentona, circula nas redondezas da casa, tenta invadir, ameaça o filho do casal Schiff, o adolescente Alex.
A polícia nada faz. O advogado, um self-made man que saiu de uma infância pobre no Brooklin e foi até capa de revista, tem de agir. Aonde vai? Assassinato?
Esse conflito marca o passo de um livro que prende a atenção do leitor, enredado numa trama construída com capítulos curtos, cenas fortes, bons diálogos.
O estilão é de um thriller competente, um drama de tribunal, um policial. O tempero extra é o sem-teto John G., que não é bom nem mau, é uma ameaça e alguém que precisa de compaixão.
Ele mexe com a paranóia de quem vive nas grandes cidades e ainda tem algo a defender, mas também com a culpa e a pena de quem vê a miséria crescer nas ruas. Acaba sendo o personagem mais forte, mais complexo, bem construído.
Mas Jake não fica muito atrás. É um advogado como você já viu em muitos outros livros do gênero. Seus conflitos, porém, não são salvar -ou destruir- uma empresa ou um réu, como em um dramalhão de tribunal.
O negócio dele é viver bem com a mulher, entender o filho adolescente e se dar bem no trabalho, ter orgulho do que faz e ganhar dinheiro. Estava conseguindo, até John G. aparecer.
"O Intruso" lembra um pouco "A Fogueira das Vaidades". Porém, não se trata de um yuppie que se perde no aterrorizante Bronx, onde atropela um ainda mais aterrorizante negro pobre. Agora, o pobre bate à porta da classe média. Não mais só vítima, é também personagem.
Completando a trupe, um mafioso de baixo coturno, mas com suficiente minhoca na cabeça e maldade nas veias para não fazer feio na fauna de Peter Blauner.
Seu emparceiramento com o ético Jake Schiff não é exatamente o momento literário mais verossímil do mundo -mas, afinal, você está lendo um romance. E muito bom.

PS - A tradução assinada por Wolf é boa. Até cria palavras, como "mermão" (meu irmão), mas tem alguns pecadilhos. Em português, não se usa a expressão "paciente mental", por exemplo. Também parece que as palavras deception (fraude, trapaça) e "interests" (juros) foram erroneamente traduzidas como decepção e interesses. E há vários "dele" e "dela" que ficariam mais claros e corretos como "de ele" e "de ela".
(RL)

Livro: O Intruso
Autor: Peter Blauner
Quanto: R$ 39 (396 págs.)

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