São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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Sem perguntas e sob aplausos

MARIO VITOR SANTOS

Na sexta-feira de manhã, enquanto o Comitê Olímpico Internacional anunciava que o Rio estava excluído da disputa para sede dos Jogos de 2004, o noticiário ufanista da imprensa brasileira daquele mesmo dia gritava nas bancas, em embaraçoso choque com os fatos.
"Rio é aplaudido em teste para 2004", dizia a capa da Folha, referindo-se à apresentação da comissão brasileira que fora defender o Rio na reunião da véspera com o COI. "Apresentação da delegação brasileira termina sem perguntas e sob aplausos", anunciava a primeira página de "O Globo". "Brasileiros crêem que Rio será finalista", informava "O Estado de S.Paulo". O mais estridente era o "Jornal do Brasil": "COI aplaude de pé discurso de Pelé a favor da Rio-2004".
Tudo verdade, sim, mas meia-verdade, a metade menos importante dela.
Em torno da escolha do COI criou-se uma situação que afeta o jornalismo no Brasil com uma certa regularidade. A imprensa rendeu-se à mobilização popular, comoveu-se com as demonstrações de apreço dos moradores pela sua cidade.
Quando a massa desceu o morro e veio à beira das favelas cariocas saudar a delegação do COI encarregada de fiscalizar a cidade ficou mais difícil fazer jornalismo. O país -imagine o Rio- animou-se com os agrados aos visitantes.
O presidente Fernando Henrique se engajou. Políticos e administradores logo perceberam as energias potenciais que aquela situação poderia colocar em movimento. O assunto politizou-se.
Nesse ambiente o jornalismo brasileiro foi chamado a cumprir seu papel. Como se viu, de maneira geral, o desempenho dos jornais, mais uma vez capitaneados pela cobertura ufanista das televisões, foi um fracasso.
A Folha foi das primeiras a embarcar na maré. Já em 12 de janeiro passado, na capa do jornal de domingo, anunciava: "Rio-2004 deve ficar entre as finalistas". O título interno era mais preciso: "Rio é a segunda melhor na avaliação do COI".
O texto afirmava que os avaliadores do COI se comoveram com a paisagem da cidade e com a capacidade de mobilização popular. Renasceram mitos do tipo "a cidade mais simpática" ou apelos sérios como a missão de "resgate social" a legitimar as Olimpíadas cariocas.
É verdade que depois desse deslize houve um esforço de distanciamento e análise objetiva dos dados. Mas o resultado foi contraditório, oscilando de um extremo a outro.
O editor de Esporte, Melchiades Filho, declara que à medida que se aproximava o momento da decisão pelo COI, a Folha "concentrou-se em noticiar os relatórios técnicos da entidade, fugindo ao clima de oba-oba, mesmo sob o risco de criarmos uma certa antipatia".
Melchiades chama a atenção para os quadros comparativos publicados, nos quais a infra-estrutura do Rio era sistematicamente comparada à de outras cidades, sendo sempre derrotada. Esses mesmos quadros consistentemente deixavam de incluir o Rio entre as cidade consideradas "favoritas".
O editor assinala a dificuldade da cobertura, uma vez que muitas das fontes tradicionais de informação, agências de notícias e jornais dos países envolvidos, poderiam estar influenciados pela sua própria preferência por esta ou daquela cidade.
Nessa cobertura, o jornal chegou a ter que publicar um "Erramos" importante. No dia 21 de fevereiro, texto na capa da Folha afirmava que o COI divulgara um comunicado considerando que Buenos Aires tinha causado melhor impressão que o Rio.
Comunicado do COI com esse teor simplesmente nunca existiu. Tratava-se de uma ilação, com base em relatório que apontava prós e contras de cada cidade examinada. Os organizadores dos Jogos no Rio protestaram junto ao ombudsman e tiveram uma carta retificadora publicada no Painel do Leitor.
Fazer jornalismo é difícil -frequentemente, antipático e perigoso. Manter a isenção pode implicar muitas semanas de antipatia. Quando a verdade se impõe, o jornalista ainda pode ficar com fama de estraga-prazeres.
Nem sempre o valor dessa atitude se evidencia imediatamente. É no longo prazo que a união de boa técnica e valores sólidos pode realçar a importância da imprensa junto à sociedade.

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