São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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O preço de Pitta; Boa notícia; Clic; Maus modos; A charada do político inglês; Nove maravilhosos livros do Senado; Novidade: a "Queima de Arquivo" social; O governo é moderno, mas detesta a Internet; ENTREVISTA

ELIO GASPARI

O preço de Pitta
Os melhores conselheiros de Paulo Maluf sugeriram-lhe que não sangre por Celso Pitta. É de Maluf a seguinte frase: "Pode-se pedir tudo ao aliado, menos o suicídio". (Coisa que Pitta também pode dizer.)
Resta saber como o ex-prefeito sairá da armadilha em que se meteu quando anunciou, durante a campanha eleitoral, que renunciaria à vida pública caso Celso Pitta desapontasse os eleitores.
Restará saber também como um prefeito com sua experiência empresarial não ouviu o barulho que o elefante dos precatórios fazia na Secretaria da Fazenda.

Boa notícia
Uma boa notícia no mundo dos precatórios. Teresa Fiel, a viúva do operário Manuel Fiel Filho, assassinado no DOI-Codi do 2º Exército, quase certamente receberá ainda neste ano os R$ 281 mil que a União lhe deve.
Mataram-lhe o marido em 1976. Ela processou a União, ganhou em todas as instâncias, e durante 19 anos empurraram-na com a barriga. Quando FFHH assumiu, interessou-se pessoalmente pelo caso e anunciou que haveria de resolvê-lo rapidamente.
Mal sabia "El Rey" que o dinheiro da viúva vai rápido para o andar de cima, mas não gosta de ir para o de baixo. Ela tinha a receber uma pensão e vinte anos de pagamentos atrasados. Pagaram-lhe a pensão e uma parte do atraso, mas enquanto bastaram seis semanas para se fazer o Proer, o precatório de dona Teresa teve que esperar na fila.

Clic
Pânico na turma do dinheirinho fácil. Algumas informações bancárias chegadas à CPI dos Precatórios estão com um forte cheiro de subproduto de grampos telefônicos.
Coisa como grampo de ligações internacionais, uma área onde é comum que haja urubus na linha.

Maus modos
Quando as pessoas não se cuidam, a falta de modos triunfa sobre a educação, e depois não há mais jeito.
Nos anos 50, os motoristas do Rio de Janeiro começaram a estacionar nas calçadas, e meio século de reclamações foram insuficientes para revogar esse barbarismo.
Nos anos 80, mal-educados de todo o mundo começaram a falar em voz alta nos seus telefones celulares sentados à mesa dos restaurantes. (Em alguns casos, enquanto comem.) É possível que esse barbarismo regrida, como regrediu o de se mastigar com a boca aberta.
Agora, pelo menos em São Paulo, surgiu um novo tipo de visigodo: aquele que entra no elevador antes que os passageiros desembarquem. Além de mal-educado, é irracional, porque, se ele está com pressa de entrar, sua descortesia só contribuirá para que a saída dos outros passageiros se torne mais difícil e demorada.

A charada do político inglês
Vem aí uma novidade: chama-se Tony Blair. Tem 43 anos e será o próximo primeiro-ministro inglês, caso se confirme a expectativa de que o Partido Trabalhista retomará o poder depois de quatro eleições perdidas e 18 anos de oposição. Ele espanou as relações dos trabalhistas com os sindicatos, afastou-se da tradição de esquerda e recriou o partido. Encurralou os conservadores porque se comprometeu a equilibrar o orçamento e a não brincar com a moeda.
Quanto mais se venha a falar de Tony Blair no Brasil, mais se repetirá a idéia de que ele é um exemplo de um político que levanta, sacode a poeira das velhas ideologias e dá a volta por cima. Pode ser, e nesse caso o Brasil inventou FFHH primeiro. Se isso fosse pouco, Cherie, sua mulher é uma das maiores advogadas de Londres.
Aí estará um bom exercício intelectual para a política brasileira. Blair é um FFHH inglês? Ou é exatamente o tipo de político que falta à oposição que se faz a El Rey? Cada um poderá achar o que quiser, pois Blair, como o sabonete de Gugu Liberato, adora escorregar.
Ele não renegou o passado do trabalhismo. Simplesmente abandonou um pedaço dele. Pode-se dizer que vai buscar eleitores do conservadorismo, mas não se aliou à sua caciquia. Num trocadilho horroroso, trocou o socialismo pelo "social-ismo", algo como a busca do bem social.
O centro de sua plataforma é a crítica da incompetência dos conservadores. Aumentaram os impostos 23 vezes, estragaram a Previdência, e hoje os ingleses gastam mais com a pobreza e o desemprego do que com educação. Blair os acusa de proteger os "barões ladrões" da privatização. Esbanjaram US$ 100 bilhões ganhos com o petróleo do Mar do Norte e mais de US$ 1 bilhão privatizando ferrovias.
Bate duro.
Inflação de 5% ao ano não faz mal? "Isso é uma pura e perigosa fantasia."
Delinquência juvenil? "Vamos reduzir à metade o tempo que vai da prática do crime à sentença do criminoso."
Defende os sistemas públicos de saúde e ensino, mas não dá sopa a médicos nem professores: "Se os professores não podem ensinar direito, então não podem continuar ensinando".
Acusa os conservadores de terem criado um sistema de monopólios privados nas telecomunicações e promete uma ampla liberação do mercado. Vai vincular essa abertura a um compromisso da iniciativa privada: ela financiará a ligação de cada sala de aula e cada centro médico à Internet.
Promete criar um programa de incentivos fiscais para beneficiar os empresários que derem trabalho aos 600 mil ingleses com menos de 25 anos que ainda não conseguiram o primeiro emprego.
Saúde? "A assistência médica deve estar baseada na necessidade, e não na capacidade de se pagar por ela."
Quando Tony Blair estava no jardim de infância, FFHH já lecionava na Universidade de São Paulo, e quando o professor Cardoso estava estudando Karl Marx, Blair liderava uma banda de rock em Oxford.
Aí é que está a graça da dúvida. FFHH é um conservador que chegou tarde ou Tony Blair é um trabalhista que chegou cedo? Ou o contrário: FFHH é um reformista que chegou cedo e Tony Blair é um convertido que chega tarde?

Nove maravilhosos livros do Senado
O Senado acaba de editar o nono e último volume da coleção "Textos Políticos da História do Brasil". A série é uma preciosidade. Transcreve mais de 300 papéis onde estão os principais momentos da vida nacional. Vai da bula do papa Alexandre 6º que dividiu a América do Sul entre espanhóis e portugueses, antes mesmo de suas terras serem conhecidas, ao regimento da Constituinte de 1988.
Tem a carta de Thomas Jefferson ao secretário de estado John Jay, de 1787, contando-lhe que um estudante de medicina o procurara na França pedindo ajuda para uma conspiração que um grupo de brasileiros estava montando em Minas Gerais. Jefferson gostou da idéia, sobretudo porque os tais brasileiros poderiam comprar aos Estados Unidos "navios, trigo e peixe salgado". Tem também o telegrama do comandante da esquadra americana do Atlântico, de 3 de abril de 1964, cancelando a Operação Brothersam, nome em código dos movimentos da frota que, em caso de necessidade, daria uma mãozinha à rebelião militar que depôs o presidente João Goulart.
O trabalho de seleção ficou por conta dos professores Paulo Bonavides e Roberto Amaral. Tiraram-se mil exemplares, e o Senado atendeu a quase todos que os pediram. Sobram umas 400 coleções completas. É de graça, e é uma pena que um trabalho desse valor fique fora de bibliotecas escolares e universitárias. Quem quiser, pode pedi-lo pelo fax (061) 311-4258.

Novidade: a "Queima de Arquivo" social
Enquanto o Senado resgata o passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo se arrisca a produzir uma fogueira da ignorância. Decidiu tocar fogo nos autos dos processos que chegaram a termo, sem condenação, há mais de cinco anos. Serão preservados os papéis que se relacionam com a propriedade (o andar de cima), mas irão ao forno aqueles que se relacionam com o crime (o andar de baixo).
Os desembargadores não estão fazendo isso por malvadeza, mas porque lhes falta dinheiro para sustentar papéis do passado numa época em que mal conseguem cuidar do presente. Também não estão acometidos de furor pirotécnico, visto que se dispõem a remeter a universidades ou centros de documentação tudo o que eles estiverem dispostos a conservar.
A loucura está no risco de irem ao fogo milhões de processos criminais, alguns com dois séculos de idade. Quase todos se relacionam com os brasileiros mais simples, aqueles sem rosto. É nesses processos que se ouve a voz dos desgraçados. (Foi com os processos da Justiça Militar que a Arquidiocese de São Paulo produziu o melhor retrato da brutalidade da ditadura nos anos 70.)
A voz dos escravos, por exemplo, é ouvida hoje essencialmente nos depoimentos daqueles que passaram por delegacias ou tribunais. Foi num deles que a professora Hebe Maria de Castro achou um negro justificando o assassinato do fazendeiro porque ele o fazia trabalhar nos domingos e feriados. É o precursor do Custo Brasil e está no seu livro "As Cores do Silêncio".
O Tribunal de Justiça pretende cuidar para que não se percam processos de valor histórico, mas isso é impossível. A história está no papelório todo. Não se sabe hoje o valor que um processo terá daqui a cem anos.
Se essa piromania tivesse ocorrido há mais tempo, os seguintes livros, todos clássicos, não existiriam. A saber:
"Os Desclassificados do Ouro." Nele, Laura de Mello e Souza contou a vida dos humildes nas Minas Gerais do século 18.
"Os Bestializados." Sem os autos da revolta contra a vacina obrigatória, José Murilo de Carvalho não escreveria uma parte de seu brilhante retrato do radicalismo político do início do século.
"Campos da Violência." Foi nos processos criminais que Silvia Lara Hunold resgatou a função do castigo dos negros nas fazendas do norte fluminense.

O governo é moderno, mas detesta a Internet
O Conselho de Política Fazendária, vulgo Confaz, inventou uma ótima: quer cobrar ICMS aos provedores de serviços da Internet.
Num país que se recusa a aderir ao acordo internacional que reduz as tarifas de importação de computadores, enquanto cobra 6% para a comida de gato, enfiar um imposto nos provedores significa apenas encarecer o acesso à rede. O brasileiro paga em média R$ 32 reais por mês, por algo como 30 horas de uso. (O americano paga 19 dólares sem limite de tempo.) Um aumento de preço tungará 300 mil usuários da rede privada.
A idéia é disparatada porque a Lei das Telecomunicações colocou os provedores fora do alcance do ICMS. É absurda porque os usuários já pagam esse imposto ao usar as linhas. É um caso de pura tunga.
Num país que ficou em 41º lugar numa lista de 49 na qual se mediu o uso da rede de computadores, o governo quer atrapalhar uma coisa que não tem nada a ver com ele. (Atrapalhar a turma dos papelórios, nem pensar.) O ministro Pedro Malan não tem nada a ver com isso, mas é ele quem preside o Confaz.
A Internet é um lugar onde as pessoas permitem docemente que a curiosidade lhes roube o tempo. A Política Fazendária faria melhor se desse atenção a outros tipos de roubos.

ENTREVISTA
Azuete Fogaça
(53 anos, professora de Economia da Educação da Universidade Federal de Viçosa.)
A atuação do governo na área de educação é realmente um sucesso?
É, na imprensa. Ela não corresponde ao cumprimento das metas do próprio governo. A idéia de se pagar R$ 300 por mês a cada professor foi sumindo, e hoje não se sabe onde foi parar. Aqui em Minas, o professor ganha um piso de R$ 160, e há mestres com R$ 110. Descobriram-se alguns avanços, ainda assim pouco significativos. A situação está melhorando, mas com muita lentidão. Isso vem acontecendo há 30 anos e já é sabido há 20. O Fundo da Educação, que poderá levar dinheiro para as escolas, ficou para 1998. O que tem havido é muito barulho para nada.
O que a senhora acha de se gastar meio bilhão de reais para colocar 100 mil computadores nas escolas públicas e treinar professores para usá-los?
Colocar computador nas mãos de uma criança é sempre bom, até porque elas aprendem com uma velocidade extraordinária. Mas será que a operação pedagógica vai funcionar? Compra de equipamento é uma coisa, pedagogia é outra. Veja o caso do TV Escola. A compra e distribuição do equipamento foi um sucesso. Está funcionando? Eu coordenei uma pesquisa em todas as escolas da rede municipal de Viçosa. Resultou que 76% dos professores não usam a TV Escola para enriquecer suas aulas, e 69% não recebem com antecedência a revista que noticia a programação. A amostragem do MEC diz que 83% das escolas mineiras recebem a revista, 93% vêem a programação e 78% a gravam. Viçosa continua em Minas Gerais, e sua rede escolar é boa. Como é que ela pode ficar tão fora da amostra?
Como a economia brasileira pode vir a ser vitalizada por uma mão-de-obra mais qualificada? Hoje o trabalhador tem 3,9 anos de escolaridade, quando deveria ter pelo menos cinco.
Qualquer melhora depende de duas coisas, sem as quais não adianta perder tempo. Primeiro, temos que valorizar os professores. Eles ganham uma miséria, proletarizaram-se. O professor paulista recebe hoje o equivalente a 20% do que recebia no governo Franco Montoro, nos anos 80. Há uma pesquisa feita no Rio de Janeiro onde se vê que o magistério é hoje um patamar buscado por jovens que trabalharam como empregadas domésticas, fizeram o supletivo, um curso de habilitação de má qualidade, prestaram concurso e ascenderam social e economicamente. Elas estão progredindo, o que é muito bom, mas só poderão ser boas mestras se forem recicladas e assistidas.
A segunda condição necessária é a definição do uso que se pretende dar aos conhecimentos do trabalhador. Não haverá melhora na produtividade se o trabalhador escolarizado não tiver como usar seus conhecimento no chão da fábrica. Se ele trabalha com uma caixa preta, não adianta perder tempo. Para repetir rotinas você não precisa de escolaridade.
Além disso, ainda vigora uma velha divisão concebida ao tempo de Getúlio Vargas, segundo a qual treinamento de mão-de-obra é com o Ministério do Trabalho, e educação é com o MEC. Eu não sei como é que se pode articular essas duas áreas, mas o fato é que ou elas se articulam, ou as coisas não vão sair do mundo das promessas e dos planos. Nessa questão, o MEC e o Ministério do Trabalho se parecem com os dois neurônios da Magda, com o agravante de que não se comunicam.

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