São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vale, um leilão chamado Brasil

ALOIZIO MERCADANTE

A Companhia Vale do Rio Doce nasceu em 1942 e neste meio século foi um êxito econômico, com taxa de retorno média anual de 8%. O complexo Vale inclui pesquisa, lavra, beneficiamento, transporte e comércio de minérios.
Mais que uma estatal, representa uma agência de desenvolvimento operando em 30 países. É a maior exportadora do Brasil e maior produtora de minério de ferro do planeta. A Vale é um pilar da infra-estrutura do país com sua rede de ferrovias e portos, fundamental ao conjunto do complexo-exportador e estratégica para a disputa da globalização da economia.
A Vale detém o maior acerco de conhecimentos minerais do subsolo nacional, além de 41,2 bilhões de toneladas de minério de ferro, jazidas importantes de bauxita, cobre, manganês, potássio e ouro. A Vale detém 600 mil hectares de florestas, uma Itália dentro do Brasil.
A Comissão Externa da Câmara dos Deputados considera que houve uma subavaliação das reservas em R$ 2,045 bilhões, mesmo porque não há metodologia disponível para avaliar o valor de jazidas de minério de ferro que chegam a mais de 200 anos.
A União detém 51,92% do capital social da empresa, sendo 75,95% das ações ordinárias, que asseguram o controle da empresa, e 6,31% das preferenciais.
O governo colocará no mercado, no dia 29 de abril, entre 40% e 45% das ações ordinárias da empresa. O critério de avaliação para o leilão é insustentável. O valor na Bolsa era de R$ 32 para as ações ordinárias no dia do edital. O governo calculou a média do valor das ações nos últimos 90 dias, retirando parte do impacto da descoberta de novas reservas de ouro em Carajás, a lucratividade espetacular da empresa em 1996 e a expectativa de ganhos futuros com a privatização.
As ações que serão ofertadas, que asseguram o controle da empresa, deveriam ter um ágio extra em relação às ações da Bolsa, mas serão colocadas por R$ 26,67. Isto é, o controle será oferta por 20% a menos do valor das ações no dia do edital! Com qual justificativa?
O controle da Vale será transferido, nessas condições, por aproximadamente R$ 3 bilhões. Porém, o maior acionista só poderá controlar até 40% das ações. Supondo um ágio otimista de 30% no leilão, bastaria desembolsar cerca de R$ 1,6 bilhão para controlar todo o complexo Vale.
As regras do edital empurram o mercado para a conformação de dois blocos de 40% e um minoritário de 20% das ações. Isto quer dizer que as duas empresas que controlarem metade mais um das ações de cada um dos blocos vencem o leilão. O controle da Vale será entregue de fato por cerca de R$ 800 milhões! Este foi quase o lucro da empresa em 1996.
O impacto fiscal e cambial da privatização é residual, equivalente a um mês dos juros da dívida pública ou ainda alguns poucos meses de déficits no balanço comercial. A Vale tem possibilidades de alavancar empréstimos externos e atrair investimentos muito superiores aos valores da privatização.
Além de privatizar, o governo FHC empurra o subsolo do país para a desnacionalização. As empresas japonesas deverão disputar como bloco, o grupo Votorantim firmou um acordo com a Anglo-América, empresa americana sediada na África do Sul. O grupo Votorantim, porta-voz do empresariado nacional, abdica de seu discurso e da formação de um grande conglomerado nacional.
A Anglo-América foi a empresa mineradora mais favorecida pelo edital (não é consumidora ou concorrente direta) desenhado pela Merrill Lynch, responsável pela modelagem e avaliação da Vale. Como sustentar legalmente este edital quando a Merrill Lynch, logo após vencer a licitação para avaliação, comprou uma corretora associada da Anglo na África do Sul, a Smith Borkum Hare - SBH?
O edital definiu também precárias garantias para o futuro, apesar das ações "golden share" que impedem a liquidação da empresa. Sobre novas descobertas minerais o governo será beneficiado por debêntures emitidas pela empresa. Como é possível assegurar uma participação no futuro, quando uma debênture é um título com retorno definido a priori? Garantia para inglês ver.
O governo FHC está vendendo, sem amparo legal, mais que uma estatal lucrativa. Está desnacionalizando o subsolo. Herdamos das gerações passadas que fizeram este país o sonho de uma nação soberana. Deixaremos aos nossos filhos as cinzas que sobrarem desse poderoso martelo do leilão chamado Brasil.

Texto Anterior: Fazenda define as regras para empresa utilizar crédito do IPI
Próximo Texto: Março é mês de decisão para liberais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.