São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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Mercosul aposta na conexão européia

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Precipitaram-se, nos últimos meses, impasses decisivos para o Mercosul. O projeto regional ao mesmo tempo ficou mais importante e atraiu mais críticas.
Já não se trata de uma promessa distante, mas os conflitos entre os membros também aumentaram, em especial entre Brasil e Argentina. Mas o fato mais marcante, coisa das últimas semanas, é o conflito mais explícito entre os cronogramas de integração continental defendidos pelos EUA e pelo Brasil.
Para os norte-americanos, a prioridade é acelerar a liberalização no conjunto das Américas, rumo a uma área de livre comércio que integraria Norte e Sul, a Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Para a diplomacia brasileira, a prioridade é ganhar tempo, fortalecer o Sul antes de se abrir mais para o Norte, aceitar a convergência, mas não a adesão.
O presidente Clinton virá ao Brasil em maio, o tema está na agenda. Mas antes dele veio Kohl, da Alemanha, e chega nos próximos dias o presidente da França, Jacques Chirac. A "conexão européia" aparece claramente como uma cartada decisiva na tentativa de o Brasil defender não apenas um ritmo, mas um modelo próprio de integração.
Marcando o momento, o "Le Monde" publicou artigo do presidente FHC em que o conflito de percepções com os EUA ganha destaque. O Mercosul é apresentado como "a plataforma a partir da qual continuaremos a trabalhar para a instauração de uma zona de livre comércio que englobará o conjunto das Américas".
A sutileza está nesse "a partir da qual". Para os EUA, a referência e o ponto de partida são o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, englobando Estados Unidos, México e Canadá). O Mercosul e a União Européia assinaram um acordo em Madri em 1995, citado pelo presidente em seu artigo. É evidente que esse eixo europeu também não se encaixa necessariamente na visão norte-americana de aceleração da Alca.
"Fast track"
Aconteceu na Universidade da Califórnia, em San Diego, na semana passada, a conferência "Integração Regional nas Américas e no Pacífico". As diferenças entre o Mercosul e o Nafta foram discutidas e a comparação ganhou ainda mais perspectiva com o exame das tendências asiáticas de integração.
Conclusão: o futuro dos projetos americanos (do Norte e do Sul) depende do presidente Clinton conseguir do Congresso o "fast track" (tramitação rápida) para a proposta de ampliação do Nafta.
Mas não há consenso quanto à viabilidade desse entendimento. Aliás, nos mesmos dias em que acontecia a conferência de San Diego, pegava fogo o debate sobre a certificação do México como aliado dos EUA no combate ao narcotráfico. Clinton deu sinal verde, mas no Congresso dos EUA a resistência tem sido grande.
Entre os conferencistas chegou-se até a uma aposta. De um lado, Albert Fishlow, conhecido "brazilianista" e que deixou a Universidade da Califórnia para integrar o Council of Foreign Affairs. De outro, Richard Feinberg, ex-assessor de Clinton para questões de integração nas Américas e atual diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estudos sobre o Pacífico da Universidade da Califórnia.
Está valendo um jantar em local a ser escolhido pelo vencedor. Fishlow aposta que o "fast track" não sai. Feinberg diz o contrário.
Além da aposta, Fishlow consagrou uma distinção crucial entre o Mercosul e os projetos asiáticos. Ele diferencia entre os modelos de integração movidos à política e os cacifados pelo mercado.
Na Ásia, a integração seria fruto da dinâmica comercial e dos elevados fluxos de investimento regionais. É a base econômica que leva à integração regional. No Mercosul, é a vontade política e a construção de barreiras institucionais que dá origem a um projeto regional.
Se Fishlow está certo, o modelo do Mercosul aproxima-se do modelo da União Européia. A aposta na conexão com a UE, portanto, seria não apenas questão de tática, mas vocação estratégica.

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