São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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Aparência e realidade

OSIRIS LOPES FILHO

O governo federal, em matéria de tributação das relações internacionais, adota a política de cinto de castidade. Como se sabe, trata-se de instrumento utilizado na Idade Média, para impedir que a mulher tivesse relações sexuais.
Servia para tranquilizar o marido ausente, temeroso da infidelidade da esposa, mas não impossibilitava outros jogos amorosos, distintos da relação sexual tradicional.
Outro dia, Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq, publicou excelente artigo denominado "Subfaturamento, vergonha no país" (Folha, caderno 2, de 16/2/97). Defendia a tese de que a Receita Federal instituísse uma estrutura para realizar a valoração aduaneira, como meio eficaz para determinar o preço efetivo das mercadorias importadas, hoje submetidas a manipulações que apresentam preços vis.
Valorar a mercadoria, na concepção aduaneira, é determinar o preço de transação. Trata-se de aplicar o Acordo do Gatt sobre Valoração Aduaneira, adotado pelo Brasil desde 16/6/86.
Desde o decreto-lei nº 37, de 1966, fala-se na necessidade de se implantar um órgão aduaneiro, para se determinar o valor real das mercadorias importadas.
Nada foi efetivamente realizado até hoje. Dezenas de cursos foram promovidos sobre a matéria, mas a montagem do órgão, para funcionar, é coisa do futuro, é matéria ainda de esperança do dr. Synésio.
Lei recente (nº 9.340, de 27/12/96) introduziu o preço de transferência, instituto fundamental para determinar o que é evasão tributária ou remessa disfarçada de divisas, praticadas por firmas que tenham estabelecimento sem vários países, nas compras de bens, direitos e serviços adquiridos no exterior ou submetidos à exportação.
Para que funcione, não basta a lei disciplinatória. Necessita-se de um órgão com pessoal especializado nessa matéria e, acima de tudo, vontade de que seja para valer.
O ministro Malan assinou, no dia 4/3/97, a portaria nº 43, em que determina "à Secretaria da Receita Federal que adote as providências necessárias à criação e instalação da Delegacia Especial das Instituições Financeiras e da Delegacia Especial de Assuntos Internacionais". É um sinal verde para instrumentalizar a administração tributária.
Aguarda-se que não seja mais uma obra da política de cinto de castidade, feito para apaziguar a opinião pública e constituir mera vitrine a expor figuras de leões, com pés de barro.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário na Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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