São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A CPI e os dentes do tigre

LUÍS NASSIF

Na terça-feira passada, os telefonemas dos senadores Esperidião Amin e Roberto Requião me surpreenderam. Até então, pensava que a CPI queria me convocar para ajudar na elucidação de dúvidas sobre mecanismos financeiros do precatório.
As ligações me alertaram para o fato de que eu havia sido convocado como represália, porque cometera a extrema ousadia de dar a palavra a um suspeito.
No telefonema, os senadores já estavam corteses. Tinham mudado de opinião porque, entre a decisão de convocar e o anúncio, saíram duas outras colunas minhas questionando pontos apresentados pelos suspeitos. Só por isso.
Substituímos a ditadura institucional por outras formas de ditadura, onde a norma geral é a descrença nos mecanismos democráticos. Manteve-se o regime de exceção.
Criticava-se a morosidade do Judiciário e a falta de punição dos réus. Foi esse clima que levou, a partir dos anos 90, imprensa e Congresso a tentarem fazer justiça com as próprias mãos, a serem rápidos e punitivos.
Para tanto, aboliram-se procedimentos morosos, porém essenciais para se fazer justiça, como o contraditório -ouvir os argumentos de todas as partes- e a análise criteriosa dos fatos. A sombra da inquisição mais uma vez abateu-se sobre o país.
Conseguiu-se mais justiça com isso?
Escola Base, Alceny Guerra, Bar Bodega, Clínica Santé, caso Osmar Santos, caso Agroceres, todos demonstram que substituiu-se a morosidade pelos procedimentos liminares. E produziu-se mais injustiça ainda.
Escabrosos
O caso dos precatórios é a repetição pela undécima vez desses procedimentos.
É evidente que há sinais vigorosos de montagem de quadrilhas e de possibilidades de ganhos indevidos com os precatórios.
A partir dessa constatação inicial, contudo, jogou-se tudo no mesmo balaio. As execuções estão ocorrendo diuturnamente, com uma leviandade de dar medo.
Tudo passa a ser escabroso, tétrico, conspiratório. Se se descobre um flat em nome de um suspeito, tem de ser o flat onde se articulavam à sorrelfa os grandes golpes -não pode ser um flat normal.
É um clima horroroso e de pouca qualidade que coloca a mídia, como um todo, nas mãos do primeiro manipulador que tenha a oferecer esse alimento incomparável: o escândalo.
É evidente que existem trambiqueiros e corruptos no processo. Mas quem? Onde as provas? Ainda vão aparecer. Mas não se execute, antes de dispor de certezas.
Cria-se na opinião pública a falsa impressão de que todos são culpados. Mais adiante, desmoraliza-se a Justiça quando ela, com base nos autos, inocentá-los.
Cadáveres políticos
Há três cadáveres políticos nessa CPI -que provavelmente ainda não se deram conta disso. São os três mais bravos inquisidores -senadores Esperidião Amin, Vilson Kleinubing e Roberto Requião.
Os três descobriram que o tigre da mídia gosta da carne fresca do escândalo e o estão alimentando diariamente.
Quando a CPI dos Precatórios tiver esgotado seu estoque de escândalos, o animal feroz continuará faminto. E não haverá escândalo melhor do que descobrir escândalo nos próprios inquisidores. Estão aí o ex-deputado Ibsen Pinheiro e o ex-senador Bisol para confirmar.
Há um dossiê contra o senador Vilson Kleinubing preparado pelo governo de Santa Catarina; um contra Roberto Requião, distribuído tempos atrás para a imprensa por seu arquiinimigo Hélio Duque; um contra Esperidião Amin, mencionado tempos atrás em um programa de TV por um ex-presidente da OAB leviano.
Os três estão guardados no armário dos jornais, porque ainda não são a bola da vez. Quando a CPI deixar de fornecer carne fresca para a fera, aí sim o tigre vai abrir a bocarra à sua frente. E, a exemplo do que sucede hoje com seus adversários, não terão a quem recorrer.
Não se saberá se eram inocentes ou culpados das acusações. E também não terá a menor importância. Porque o que interessa, apenas, é a carne fresca do escândalo.

Email: lnassif@uol.com.br

Texto Anterior: Aparência e realidade
Próximo Texto: Receita planeja arrecadar R$ 50,8 bi em SP em 1997
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.