São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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A cilada da uniformidade

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

A mais importante experiência editorial do jornalismo norte-americano nesta década está sendo realizada na revista semanal "U.S. News and World Report", a terceira em circulação do país (2,2 milhões de cópias por semana).
Em setembro de 1996, James Fallows, articulista da revista mensal "Atlantic" e autor do livro mais controvertido do ano, a respeito do desempenho do jornalismo norte-americano contemporâneo, assumiu a direção de redação da revista, o primeiro posto executivo de sua carreira. Claro, se não se levar em conta o ano de 1969, quando foi editor-chefe do "Harvard Crimson", jornal de estudantes da melhor universidade dos EUA. Mas ali, as decisões editoriais eram votadas e o voto do editor valia tanto quanto o de um repórter (o "Crimson" resolveu, por exemplo, contra a opinião de Fallows, defender a vitória do Vietnã do Norte sobre os EUA na Guerra do Vietnã). Depois dessa experiência, Fallows só escreveu artigos e livros e participou de programas de TV e de rádio como comentarista.
Agora, aos 48 anos, ele é o centro das atenções dos colegas. Em entrevista exclusiva à Folha, ele disse que o seu desafio é "fazer com que as coisas importantes sejam interessantes; oferecer ao leitor matérias substantivas sem perder a atenção dele; escolher assuntos que sejam atraentes, que envolvam as pessoas comuns".
Em "Breaking The News" (Dando as Notícias), que tinha o inflamatório subtítulo de "Como os Meios de Comunicação Minam a Democracia Americana", Fallows atacou, de maneira inusitadamente dura, a atuação recente de jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, em especial a maneira como cobrem política. Entre suas mais conhecidas teses estão: a de que o público não confia mais nos jornalistas, vistos por ele como excessivamente cínicos; de que os veículos impressos se diminuem ao tentarem concorrer no terreno do entretenimento e do espetáculo que caracteriza a televisão; de que a supersimplificação dos problemas sociais e políticos mistifica as questões. Agora, muitos dos que se sentiram atingidos pela crítica impiedosa de Fallows cobram dele que faça aquilo que exigia dos outros, e que faça tudo depressa.
Não tem sido fácil. Fallows encontrou pesada resistência interna na redação de "U.S. News". Fez muitas demissões. Pior para ele: não conseguiu fazer algumas demissões. Gloria Borger, colunista política da revista e uma de suas piores inimigas, foi mantida pelo dono da "U.S. News", o empresário Mortimer Zuckerman (dono também do jornal "New York Daily News"), apesar de ela contrariar uma das leis que Fallows impôs aos seus subordinados: limitar e revelar à direção as fontes de receita fora da revista.
Borger faz mais de US$ 300 mil por ano (três vezes mais que seu salário) em conferências pelo país. Fallows acha que essa atividade é incompatível com a independência editorial que quer dar à "U.S. News". Mas Zuckerman, que gosta do trabalho de Borger e acha que ela é a última estrela da casa (três outros jornalistas famosos, Steven Roberts, Michael Barone e Brian Duffy, já haviam saído por causa de Fallows), resolveu que não poderia abrir mão dela. Ela ficou.
Mas Fallows parece não dar muita importância ao incidente. Diz que a revista está começando a mostrar os efeitos de sua filosofia. "Os que ficaram estão entusiasmados, sentem orgulho de trabalhar numa revista que não coloca O.J. Simpson na capa na semana de sua condenação no julgamento civil, sentem que fazem parte de uma aventura, que são respeitados pelo trabalho que estão fazendo.".
Ele admite, no entanto, que "muitos esperam com ardor que o projeto fracasse desastradamente". O fato de ter ultrapassado "a fronteira dos três meses", segundo ele, decisiva, o anima. A resposta da publicidade tem sido positiva e essa era a sua maior preocupação: "a circulação já era boa; o que precisávamos era convencer o anunciante da nossa opção".
O problema de Fallows é o que no Brasil se chama de "efeito Brahma-Antarctica". As três grandes revistas semanais de informação ("Time" e "Newsweek", além da "U.S. News") eram muito parecidas entre si, facilmente previsíveis. Fallows foi chamado para diferenciar a "U.S. News" da concorrência.
Tem conseguido, pelo menos, não repetir as capas de suas rivais maiores ("Time" tem circulação paga semanal de 4 milhões de cópias, "Newsweek", de 3,1 milhões). Na semana passada, por exemplo, enquanto os adversários colocavam a clonagem em suas capas, Fallows escolheu uma avaliação dos melhores cursos de pós-graduação do país.
A "U.S. News" tem uma tradição de dar atenção a assuntos do interesse direto do leitor, o chamado "jornalismo de serviço", que se encaixa bem na filosofia de Fallows. "Notícias que você possa usar já viraram lugar-comum no jornalismo. Mas é preciso fazer isso de maneira cada vez mais sofisticada, melhorar e melhorar", diz.
Outra das prioridades de Fallows é parar de escrever sobre o processo do governo, da administração. Uma das críticas principais de seu livro "Breaking the News" (que vendeu 50 mil cópias na edição de capa dura e acaba de ser lançado em capa mole) é que os jornalistas escrevem apenas para iniciados nos meandros da política, e isso interessa a muito pouca "gente real". O "truque", segundo Fallows, será "usar os eventos que aparecem como notícia como trampolins para as questões que realmente interessam para a vida do leitor. Por exemplo: uma nova legislação sobre crime vai para o Congresso. Em vez de ficar apenas nos procedimentos parlamentares, consequências de uma derrota para o governo, usar o gancho para avaliar a eficiência das prisões, descobrir se o consumo de drogas está diminuindo", argumenta ele.
Pesquisas de opinião pública Fallows não pretende usar, a não ser em situações excepcionais e bem dirigidas. Ele condena a vulgarização das pesquisas e acha que elas têm sido utilizadas para encaminhar a opinião do público, em vez de apenas aferi-la.
O tipo de pesquisas em que Fallows pretende investir é a de avaliação de serviços, como a qualidade de escolas superiores e cursos de pós-graduação. A "U.S. News" tem feito um trabalho tão bom nessa área que seu "ranking" é considerado quase oficial. A lista das melhores universidades circula como livro todos os anos, e é consultada pelos estudantes que deixam o secundário e por seus pais como guia para suas escolhas.
Fallows acredita que há espaço (e necessidade) para peças mais longas no jornalismo e pretende usá-las na revista. Para ele, esse é um dos diferenciais da mídia impressa que nem a TV nem os serviços on line podem prover. Quer textos mais elaborados, muito cuidado na checagem de informações. Concorda que está acostumado a um ritmo muito mais lento de produção (desde 1980 que seus empregos têm sido em revistas mensais e editoras de livros), mas acha que consegue se adaptar.
Além da experiência no "Harvard Crimson" (no qual tinha, entre seus subordinados, alguns dos sóis da constelação do jornalismo norte-americano atual, gente como Michael Kinsley, da revista eletrônica "Slate", E.J. Dionne, do "Washington Post", Evan Thomas, da "Newsweek", Frank Rich, do "New York Times"), Fallows passou pelo governo, como principal ghost-writer do presidente Jimmy Carter.
Entre seus livros, está o também muito controvertido "Looking at the Sun", sobre as relações entre EUA e Japão, que muitos consideraram racista contra os japoneses, e "The National Defense", sobre o funcionamento do Pentágono.
Um diferencial quase certo da "U.S. News" sob a gestão de Fallows é que a revista não será metida a engraçada, como "Time" e "Newsweek" têm sido nos últimos quatro anos. Fallows é conhecido pela sua extrema seriedade. Ele é considerado o inspirador de um personagem do romance "The Secret Sun", escrito por um colega, o ex-correspondente do "Washington Post" em Tóquio, Fred Hiatt. O personagem, Zarsky, como Fallows, passou algumas semanas no Japão e depois escreveu um livro muito crítico sobre aquele país, apesar de ter colhido todo o seu material em conversas com jornalistas norte-americanos. Além disso, Zarsky é uma pessoa enfadonha e desprovida de humor.
Fallows reconhece que não é dono de um humor selvagem. Mas acha que ele quer fazer de sua revista uma publicação que dê prazer de se ler, inclusive por um senso crítico que também seja irônico. Que faça sorrir, não gargalhar.

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