São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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Limites da liberdade

Constituição regula abusos contra direitos pessoais

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Constituição Federal assegura, no Brasil, a liberdade de expressão, de comunicação e de informação jornalística, sem qualquer restrição. Mas garante também os chamados direitos da personalidade: o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Isso significa que tanto uns quanto os outros, todos eles direitos fundamentais, não são absolutos. Eles limitam-se reciprocamente de forma que não sejam cometidos abusos.
Quando o exercício da liberdade de imprensa colide com direitos individuais há que encontrar o equilíbrio. É preciso ceder de um e de outro lado para que nenhum deles seja violado.
Celso Bastos, professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), lembra que a informação jornalística é essencial para a democracia. Portanto, quando a informação é de interesse da sociedade, o direito de informar sobrepõe-se aos direitos individuais.
A mesma opinião tem o promotor de Justiça Vidal Serrano Nunes Júnior, que defendeu tese de mestrado sobre o assunto na PUC/SP. Ele afirma que, como garantia da democracia, o direito de informação jornalística é mais forte que os direitos da personalidade.
Mas ressalta que o que a Constituição protege é a informação cujo conhecimento seja relevante para a participação do indivíduo na vida em sociedade. Fofocas e bisbilhotices sobre a vida íntima das pessoas não têm proteção constitucional.
"O conflito entre liberdade de informação e os direitos da personalidade devem ser resolvidos sempre em favor do interesse público visado pela notícia", interpreta René Ariel Dotti, professor de direito penal da Universidade Federal do Paraná.
Dotti destaca, no entanto, que o jornalista e os órgãos de comunicação devem sempre ter o cuidado de confirmar as informações antes de publicá-las, para evitar agirem com negligência, imprudência ou imperícia. "A falta de responsabilidade na investigação jornalística pode causar prejuízos", diz.
Episódios como o da Escola Base -em que os donos dessa escola infantil foram crucificados pelo delegado e pela mídia por uma acusação que não tinha qualquer base material- são exemplos dessa falta de responsabilidade. Embora, no caso específico da Escola Base, o erro maior tenha sido cometido pelo delegado que, antes de terminar o inquérito, foi acusando os donos da escola de terem cometido atentado violento ao pudor contra seus alunos.
"Aceitar declaração de autoridade como verdade, sem verificar, é uma imprudência. Extrapola os limites do direito de informar e resulta em injustiças, detonando na sociedade um sentimento contra a liberdade de imprensa", avalia o advogado Walter Ceneviva, articulista da Folha.
O que fazer então, para impedir que fatos como esse aconteçam? O autocontrole da mídia parece ser a melhor solução.
"O conselho editorial, a direção, a chefia ou a secretaria de redação e o ombudsman são alguns dos órgãos aptos a realizar o controle interno de qualidade dos textos, imagens, enfim, da produção intelectual", afirma Dotti.
Há também os direitos de resposta e de retificação, que foram instituídos em favor de todo aquele (pessoa física ou jurídica) moralmente agravado por publicação ou transmissão que contenha fato inverídico ou errôneo.
A intervenção judicial em caso de conflito de direitos deve ser utilizada apenas quando falharam todos os demais meios de solução.
Europa
As constituições européias mais recentes dedicaram especial atenção à liberdade de informação.
A espanhola agrega em um só artigo o direito de opinião, de expressão, de informação, proibindo qualquer forma de censura prévia. Mas estabelece, expressamente, como limites a essas liberdades os direitos à honra, à intimidade, à imagem e à proteção da infância e da juventude.
A Constituição portuguesa é fértil no campo dos direitos relacionados à informação e à atividade jornalística.
Expressamente, ela diz que todo indivíduo tem o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. Outorga aos jornalistas e colaboradores literários a liberdade de expressão e criação.

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