São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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FHC analisa imprensa do país

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em entrevista concedida à Folha em setembro de 96 sobre sua obra intelectual, Fernando Henrique Cardoso também fez uma avaliação da imprensa brasileira.
FHC criticou a falta de uma compreensão mais profunda da realidade do país -os "quadros de referência estáveis"-, o que não permitiria uma avaliação objetiva dos fatos cotidianos pelos jornais.
O presidente também considera que os jornais "apostam na catástrofe" e julgam suas intenções; na época da entrevista, observou que os jornalistas atribuíam todos os seus atos a sua intenção de aprovar a emenda da reeleição.
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Folha - Avalia-se que, com a estabilidade da moeda e da política, teria acabado a tensão permanente causada pela superinflação e por escândalos. A imprensa tem se saído bem no ambiente mais estável? Compreende o que ocorre?
Fernando Henrique Cardoso - Às vezes com atraso e, em geral, fazendo a aposta catastrofista. Nem todos os jornais, nem todos os articulistas. Mas não por causa da estabilização e, sim, por causa do mercado. Os jornais ficaram presos à manchete, e manchete tem que dar um "frisson". Em vez de mostrar a normalização, mostram o que pode desestabilizar. Nem todos os jornais, nem sempre. Mas com frequência é assim.
Não faltou quem dissesse, há pouco tempo, que o problema do Brasil eram as reservas elevadas, que teriam um custo alto de manutenção -era preciso baixar a taxa de juros. Agora, quando começa a baixar a taxa de juros, é o oposto. "Vai haver fuga de capitais, isso é um risco enorme etc.", dizem. Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. Não tem solução, não é? Isso tem a ver com essa visão de que cabe à imprensa estar sempre levantando pontos fracos.
Folha - Isso é uma crítica à noção de objetividade jornalística...
FHC - Isso mesmo. A objetividade subjetiva.
Folha - A imprensa brasileira é sempre catastrofista?
FHC - Não é esse o único problema. É uma opinião de intelectual, mas acho que a imprensa está competindo com a mídia eletrônica, muito mais rápida, fragmentada. Leio jornais e geralmente já sei o que vão falar, pois já vi TV.
Estou metendo o bedelho no que não entendo, mas acho que faltam quadros de referência estáveis (à imprensa). Como eles não existem, o jornal muda a toda hora.
A opinião -não a do editorial, do jornal, mas do conjunto- tornou-se uma coisa assim oscilante, que desorienta o leitor. Sempre que leio algo num jornal, vou ver se no outro tem a mesma coisa, pois não acredito mais em um só.
A notícia é endeusada como tal. É como se fossem fogos de artifício o tempo todo, mas são só fogos de artifício. Para vender jornal, talvez seja bom esse cintilar permanente de semiverdades. Ou melhor: de percepções subjetivas do repórter, do editor, do informante.
Todo mundo planta tudo (plantar, na gíria jornalística, significa passar informação inverídica ou distorcida para atender ao interesse de alguém). Quando leio jornal hoje, já sei quem plantou o quê. Como os jornais estão cheios de colunas -e são colunas de plantação-, há 500 fofocas por dia no Brasil. 500! O Serra, que gosta de contar tudo, mandou contar e disse que tem 500 por dia. Você descobre quem pôs a fofoca, sabe qual a intenção da fofoca e acaba acreditando nela, o que é o mais grave. E os mesmos que põem a fofoca acreditam na do outro. É uma confusão danada. Isso é informar?
Folha - A falta de um quadro de referências se deve à ignorância dos jornalistas ou isso é influenciado pelo mercado...
FHC - Mercado. Ignorantes, alguns são, mas não posso supor que todos sejam. Os fogos de artifício são um estilo que tem apoio em quem consome (o jornal). Não é que o jornal faça por perversidade. Os jornais fazem pesquisa, não é? A pauta é dada pelas pesquisas. Tudo ficou assim. Dito isto, não passo sem ler jornal.
Folha - Os jornais sabem acompanhar os movimentos menos aparentes da sociedade?
FHC - A imprensa antecipa muita coisa. Mesmo quando ela deforma, o faz com frequência, está sintonizada. A imprensa do Brasil é ótima, desse ponto de vista.
Folha - Mas o sr. prefere ler o "Le Monde" ou a Folha?
FHC - Pessoalmente (ri) prefiro o "Le Monde", mas acho que o público prefere a Folha.
Folha - O sr. acredita que os meios eletrônicos de informação vão fragmentar ainda mais a compreensão da realidade, vai haver uma "catástrofe cultural"?
FHC - Não acho. Vai haver informação eletrônica em quantidade -não sei se é bom para o jornal competir nisso, porque acho que ele perde- o que vai gerar outro tipo de informação estruturadora. No jornal você vai precisar de comentaristas que você leve a sério...
Folha - Não existem?
FHC - Tem um ou outro. Mas frequentemente, quando leio jornais, digo: "Meu Deus, como é que essa pessoa pode dizer isso, do alto da sua ignorância?".
O mais lamentável é quando julgam intenções. A meu respeito, todo o dia tem o que vou fazer. Tudo o que faço agora é por causa da reeleição. Será que sou tão idiota assim, que vou me deformar por causa de reeleição? Seria ridículo. Tudo o que eu fizer agora é por causa da reeleição. Dei essa entrevista a você agora e certamente (vão dizer que) estou compondo a figura do intelectual que quer ser reeleito (ri). Isso é patético.

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