São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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Libanês é preso por ser esquizofrênico

ROBERT FISK
EM BEIRUTE

The Independent
Libanês é preso por ter esquizofrenia
Quando o poeta libanês Safuan Haidar saiu da penitenciária em Beirute, há duas semanas, o primeiro pedido que fez deixou espantados os jornalistas libaneses responsáveis por sua libertação.
"Ele pediu uma cadeira", disse Elias Khoury, do jornal "An Nahar". "Dá para acreditar nisso? Fazia quatro anos que não via uma cadeira. Tinha de sentar-se no chão. Depois, pediu jornais, porque não tinha lido um em cinco anos -não são permitidos. Pediu papel e caneta para escrever -alguns anos atrás, um dos guardas rasgou um manuscrito de seus poemas. E pediu laranjas -disse que não saboreava uma laranja havia cinco anos." Vale lembrar que o Líbano é a terra das laranjas.
Mas o verdadeiro escândalo na prisão de Safuan Haidar é que todos -sua família, os guardas da prisão, as autoridades que o prenderam e o mantiveram detido e os jornalistas que acabaram por conseguir que fosse solto- concordam que o poeta de meia-idade nunca cometeu um crime na vida nem fez mal a ninguém.
Safuan Haidar, que tem PhD em estudos islâmicos da Universidade de Berlim e já traduziu para o árabe as obras de Günther Grass, Rainer Maria Rilke e Bertolt Brecht, foi mantido preso porque é esquizofrênico e porque alguém afirmou que talvez representasse "uma ameaça à sociedade".
A história do poeta possui aspectos tanto de farsa quanto de tragédia. Em 1983, foi internado numa instituição psiquiátrica pública em Beirute, construída no século 19.
Quando o hospital foi fechado, Haidar foi encarcerado numa ala "segura" do prédio, onde passou pelo menos três anos esquecido pela sociedade. Muitos dos pacientes com quem convivia haviam cometido crimes violentos.
"Safuan é um ótimo poeta e é muito conhecido como tal, mas andou doente. Começou a ter alucinações quando vivia em Berlim", contou Khoury.
"Mas ele nunca deveria ter sido internado. O que aconteceu, aparentemente, é que um tribunal religioso xiita decretou que ele era perigoso, e a decisão foi aceita pelo procurador-geral. Safuan foi internado, passando a viver em condições terríveis. Os enfermeiros se comportavam como policiais, e ele era espancado com frequência. Depois disso foi transferido para a penitenciária de Roumieh, que foi construída para abrigar 800 detentos, mas hoje tem 3.000."
Khoury e outros jornalistas se perguntavam por que não haviam ouvido notícias de Haidar havia vários anos e supuseram que ele tinha morrido, até que, um dia, um médico armênio comentou sobre sua situação com um jornalista.
"O médico contou que os pacientes muito pobres ou que não tinham parentes que os ajudassem haviam sido transferidos para Roumieh", conta Khoury. "Foi assim que o encontramos."
O jornal "An Nahar" publicou a história da detenção secreta de Safuan Haidar, e, no dia seguinte, o vice-ministro libanês da Saúde Pública telefonou para Khoury e providenciou a transferência de Haidar para um hospital psiquiátrico, onde seus amigos e admiradores intelectuais e jornalistas pagam seu tratamento.
"Nos meus 20 anos de jornalista, foi a primeira vez que um artigo exerceu efeito neste país", diz Khoury. "Quando Safuan foi solto, todos começaram a chorar -Safuan, nós, até mesmo os guardas da prisão. Como pode um homem ser tratado de tal maneira só por estar doente?"

Tradução de Clara Allain

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