São Paulo, domingo, 9 de março de 1997 |
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Bom senso e clonagem
ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES Já ficou claro que a clonagem pode ser usada para o bem e para o mal. Nesse sentido, ela não difere das demais tecnologias criadas pelos seres humanos.A aplicação cuidadosa da clonagem na construção e reprodução de plantas e animais pode resolver vários problemas da humanidade, dentre eles o da fome. Mas pode criar também situações irreparáveis. Os governos dos Estados Unidos e da Inglaterra decidiram cortar os recursos das pesquisas que, no médio prazo, poderiam levar os cientistas a clonarem os seres humanos. Trata-se de uma decisão surpreendentemente drástica para países formados na cultura do liberalismo e no respeito à individualidade. A questão é das mais polêmicas. Como estimular a criatividade da ciência se os cientistas são impedidos de pesquisar o que acham necessário? A chegada da ovelha Dolly promete revolucionar o mundo científico. O Brasil já tem uma lei que proíbe a "manipulação genética de células germinais humanas", ou seja, a clonagem humana (lei 8.874/95). Mas, é claro, sempre há uma grande distância entre a lei e a realidade. Você já imaginou se algum desses cientistas mais ousados resolver usar o xerox da clonagem para reproduzir um desordeiro? Uma vez "nascido", o que fazer com ele? A lei poderá dispor de sua vida? É claro que não. Nem a justiça tem meios para fazer o filme da criação virar o contrário, provocando o "desnascimento" do indesejável. Isso é como plano econômico que é lançado por medida provisória. Não tem volta. O que seria da economia brasileira se o Congresso Nacional decidisse rejeitar o Plano Real depois de 24 meses de operação? Como se vê, o assunto instiga muitas especulações. Nas rodas de papo perdido, não se fala noutra coisa senão na clonagem humana. E o brasileiro, dentro do seu humor habitual, vai levando o caso para o lado lúdico. Fala-se na clonagem do Roberto Carlos, Ronaldinho, Oscar e vários outros ídolos. O meu amigo Matias, que é produtor rural no interior de São Paulo, assim que puder vai clonar suas melhores vacas e a si próprio. Ele me disse que, na hora da cobrança dos juros escorchantes do empréstimo que tomou, vai apresentar em seu lugar um clone bem produzido -o Matias 2. "Yes, Mathias, the Second!" Mas será que as pessoas eventualmente clonadas guardariam as características intelectuais e emocionais dos seus "pais"? De nada adianta ter um clone do Roberto Carlos se ele não sabe cantar e nem clones do Ronaldinho e Oscar se eles não sabem jogar. A ciência está chegando perto da reprodução da "encadernação", mas está longe de reproduzir o "conteúdo" do livro. Se assim é, ela está distante de poder reproduzir os seres humanos. Afinal, em nós, o mais valioso capital é o nosso modo de pensar, sentir e expressar as emoções. Mas não adianta. O homem tem um verdadeiro fascínio pela idéia de poder reproduzir o que foi feito por Deus. Temos de torcer, assim, para que o bom senso ilumine os próximos passos dos nossos cientistas. Texto Anterior: À sombra das pirâmides Próximo Texto: Brasil e França, juntos novamente Índice |
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