São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Zanetti era faz-tudo do crime organizado

HUMBERTO SACCOMANDI; LUCAS FIGUEIREDO
DOS ENVIADOS ESPECIAIS À CALÁBRIA

O ítalo-suíço Angelo Zanetti, 58, que efetuou depósitos em contas bancárias do empresário Paulo César Farias, o PC, era uma espécie de faz-tudo no mundo do crime organizado na Europa.
Segundo dois mafiosos que colaboraram com a Justiça italiana, Zanetti participou de várias etapas do esquema de tráfico de cocaína descoberto na investigação denominada "Operação Cartagena".
O parceiro de PC Farias não só financiava e participava da organização do tráfico, como também comprava e vendia cocaína.
Corrupção
O mafioso Arturo Martucci descreve em seu depoimento à Procuradoria de Turim como Zanetti liberava os contêineres com a droga do porto de Gênova, com a ajuda de funcionários e policiais corrompidos.
"Os documentos deveriam ser colocados à disposição do ítalo-suíço, já que era ele que cuidava dessas coisas", disse.
Segundo o mafioso Antonio Scambia, 66, outro traficante do esquema que colaborou com os procuradores italianos, Zanetti investiu em pelo menos duas cotas de cocaína -uma de 10 kg e outra de 50 kg.
Ambas teriam sido revendidas a clientes do próprio Zanetti.
O ítalo-suíço, que se apresentava como negociante de metais preciosos, foi o operador financeiro da ação a partir do quinto carregamento.
Ele foi procurado porque "disse ser capaz de transferir de modo limpo até mesmo grandes somas de dinheiro por meio de movimentos bancários", segundo o depoimento de Scambia.
Foi justamente a partir do quinto carregamento que os valores envolvidos aumentaram muito, devido às quantidades maiores de cocaína traficadas.
"A respeito dessa atividade de Zanetti, declaro que ele garantia ser capaz de fazer desaparecer toda a documentação das operações ou, pelo menos, fazer com que não se pudesse chegar aos interessados", continua Scambia.
'Mundo bancário'
O desempenho do parceiro foi aprovado por Scambia. "Tive pessoalmente modo de verificar que o Zanetti sabia efetivamente mover-se no mundo bancário."
Scambia faz várias referências a depósitos de Zanetti envolvendo o Brasil. "No período em que esperávamos o sexto carregamento, Zanetti começou a efetuar transferências de dinheiro a uma financeira brasileira e a bancos de Nova York."
Segundo ele, os pagamentos efetuados no Brasil e na Venezuela eram para pagar parte da produção da droga.
Com relação ao sétimo carregamento, que não chegou à Itália, Zanetti "efetuou a transferência do valor total de 4 bilhões de liras (cerca de US$ 2,6 milhões) a uma financeira brasileira de São Paulo", disse Scambia.
As autoridades italianas descobriram um depósito de Zanetti, feito nessa época (meados de 1993), no mesmo valor, numa conta de PC Farias no Trade Link Bank, banco das Ilhas Cayman.
O fato de os depósitos de Zanetti nas contas de PC Farias acontecerem sempre na época dos carregamentos de cocaína foi um dos fatores que chamou a atenção da Polícia Federal brasileira para uma possível relação do tesoureiro da campanha do ex-presidente Fernando Collor com o narcotráfico.
Tráfico de armas
Ainda segundo os mafiosos "arrependidos", Zanetti negociava armas pesadas, como lança-mísseis e metralhadoras.
"Um pouco antes de sua morte, Vincenzo Mazzaferro (chefe mafioso calabrês) me perguntou se era possível conseguir um lança-míssil e outras armas. Eu passei o pedido ao Zanetti, que se disse capaz e ficou de me trazer uma lista das armas das quais podia dispor. Entre elas, me lembro que tinha indicado as metralhadoras Uzi", afirmou Scambia
Como Zanetti não trouxe a lista e Mazzaferro acabou sendo morto, o negócio não prosperou.
Segundo Scambia, Zanetti gostava de se exibir devido ao seu bom trânsito em muitas áreas.
Celulares
"Ele dizia ser capaz de conseguir qualquer coisa, inclusive armas, mas não me dizia nunca de que modo e de quem", disse Scambia aos procuradores de Turim.
Um dos objetos mais curiosos obtidos pelo ítalo-suíço e usado na operação de tráfico foram telefones celulares fraudados.
O mafiosos relatou aos juízes que, com ajuda de um chip trazido da Inglaterra e códigos conseguidos na telefônica italiana, Zanetti conseguia fazer chamadas de seu celular que apareciam nas contas de outras pessoas.
Com isso, ele podia falar livremente com mafiosos sem receio de ser interceptado.
Numa outra ocasião, Zanetti teria antecipado a ida de uma das principais autoridades anti-Máfia da Itália aos Estados Unidos, para o interrogatório de um mafioso. Sua fonte estaria nos serviços secretos italianos.
Zanetti está hoje preso na Suíça, onde responde processo por lavagem de dinheiro.
Ele também é processado na Itália por narcotráfico e associação mafiosa.
(HUMBERTO SACCOMANDI e LUCAS FIGUEIREDO)

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