São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Lesões e ambiente alteram comportamento

NOELLY RUSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Não importa o que o médico pense, o que importa é o que faz bem ao paciente", declara o psiquiatra e professor da Universidade de Pittsburg (EUA), especialista em distúrbios mentais infantis, Boris Birmaher.
O médico falou à Folha por telefone e diz que a discussão entre especialistas favoráveis e contrários à internações e medicamentos -questões sempre polêmicas em psiquiatria- às vezes deixa o paciente de lado.
"É preciso avaliar cada caso. O fator biológico, um acidente, por exemplo, e o ambiente, uma família desestruturada, têm a mesma importância quando se busca a cura ou a melhora de uma criança com problemas."
Os psiquiatras modernos acreditam que o tratamento de problemas mentais, quer de síndromes como o autismo, quer de depressões ou manias precisa ser abordado tanto clínica como terapeuticamente.
"Está provado cientificamente que um pessoa que é deprimida ou está deprimida sofreu uma alteração em seu cérebro. Ela precisa tratar da cabeça, mas também das relações que a deixaram doente", diz o neuropsicólogo espanhol José Leó-Carrión, professor-titular e diretor do Laboratório de Neuropsicologia Humana da Universidade de Sevilha, uma das entidades de ponta em lesões cerebrais.
Segundo Carrión, o uso de medicação nos tratamentos psiquiátricos, principalmente em crianças, deve ser muito criterioso.
"O grande problema em simplesmente medicar uma criança é que, em geral, os médicos sabem quando começar o tratamento, mas não prevêem seu final. Isso pode ser perigoso."
Tanto Carrión quanto Birmaher afirmam que os tratamentos psiquiátricos modernos têm cada vez mais envolvido a família.
Os dois apontam que o caminho mais adotado hoje para a cura ou melhora do doente está exatamente em incluir e não excluir opções.
Carrión diz que não há estatísticas realizadas sobre a incidência de doenças mentais comparando países de Primeiro e Terceiro Mundo.
"O que existe é uma tendência a haver relação entre pobreza e problemas mentais, o que pode apontar maior número de casos em países pobres. Há estudos que mostram maior incidência de enfermidades mentais nos estratos mais pobres da população de países considerados ricos", afirma.
O neuropiscólogo diz que a Universidade de Sevilha e universidades norte-americanas e inglesas já fizeram pesquisas sobre distúrbios de comportamento em crianças carentes.
"A maioria sofreu uma série de microtraumatismos no cérebro. Algumas crianças apanharam dos pais na cabeça, outras, que vivem nas ruas, costumam se bater. Isso é um distúrbio comportamental que foi provocado tanto pelo ambiente, obviamente inadequado, quanto por essas microlesões que acabam interferindo no funcionamento do cérebro", afirma.
Essa conclusão, como a de relacionar doenças mentais e pobrezas já é um consenso entre os especialistas estrangeiros.
Uma conferência em Sevilha, de 10 a 14 de maio vai discutir as enfermidades e aprofundar o estudo de tratamentos.

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