São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997 |
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O real e o milho
CARLOS HEITOR CONY Rio de Janeiro - Desde que mundo é mundo, ou, pelo menos, desde que estou (indevidamente) neste mundo, ouço dizer que não se deve gastar mais do que se tem ou ganha. Daí que não compreendo a jucunda tranquilidade dos economistas do governo e do próprio FHC que, de 15 em 15 dias, garantem que o déficit na balança comercial não significa nada, não tem nenhuma importância.Se a pátria é a família amplificada -como acacianamente a definiu Ruy Barbosa-, o orçamento nacional é a amplificação de um orçamento doméstico. Se eu recebo de meus antepassados um terreno, uma casa, ações de uma companhia e vendo esses bens para pagar minhas contas de luz, gás e telefone, alguma coisa, decididamente, não está indo bem comigo. E se eu me habituo a gastar o que não tenho, vivendo acima de minha realidade social e econômica, em algum ponto de minha trajetória terei um momento de verdade e darei com os burros n'água. Mês a mês, ano a ano nos últimos tempos, estamos acumulando um déficit colossal que já está estimado, para 1997, em alguma coisa parecida com US$ 8 bilhões. Dois terços do preço estipulado para o leilão da Vale, nosso maior cacife no mercado. Compramos milho lá fora. Se eu ficar sem minhas empregadas durante dois meses e ninguém varrer minha sala, tenho a certeza de que ali nascerão pés de milho. Faz parte da nossa decantada pujança. Mas compramos milho lá fora porque, entre outras coisas, ajuda a manter o Plano Real e a reeleger o presidente. O Brasil está fazendo vestibular para a função de estelionatário interno e externo. Alegar que ainda atraímos capitais de fora não atenua a gravidade da situação. Se meu vizinho, vivendo acima de suas posses, dá festas e bacanais todos os dias, evidente que eu poderei ir lá e tirar minhas casquinhas. No dia em que ele estourar lamentarei muito e vou tirar casquinhas em outra paróquia. Texto Anterior: O cheque de Celso Pitta Próximo Texto: O Fed e a política monetária Índice |
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