São Paulo, sábado, 29 de março de 1997
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Renato Borghi, também 60, vai à festa no Oficina

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Renato Borghi chega aos mesmos 60 anos de Zé Celso, no mesmo dia, amanhã. Também vai estar no Oficina, para o rito de seu aniversário.
Ele foi companheiro e primeiro ator do diretor por 13 anos, atravessando os anos 60. Entrevistado, emocionou-se e pediu dez minutos. "Passou o filme todo na minha cabeça, me deu vontade de chorar", contou depois.
Ele surgiu em São Paulo ainda "garoto", no fim dos anos 50, para estudar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde foi colega de classe de Zé Celso. Mas já vinha do Rio -é carioca, como o sotaque denuncia- com "o mito da arte na cabeça".
Na faculdade, encontrou a parceria que iria tornar-se o Oficina. "Praticamente tudo o que o Oficina fez nos anos 60 foi fruto dessa sintonia, desse amor."
"A Incubadeira"
Recorda uma a uma as peças que fizeram, desde "A Incubadeira", texto do diretor, apresentado em caráter amador no Teatro de Arena. A peça "aconteceu", e aos poucos a companhia ganhou forma. "Crescemos como brasileiros. Era um sonho socialista, mas também a nossa vida pessoal, de artista, de geração."
O Oficina era então um teatro espírita falido, com outro nome e espetáculos espiritualistas, que os dois alugaram no risco. "Foi o meu pai que avalizou tudo. Da nossa vontade, de repente, tinha um teatro, e um teatro com Eugênio Kusnet, Célia Helena."
Eles tiveram sorte, brinca, porque a primeira peça já foi censurada. Era "A Vida Impressa em Dólar", que de cara ganhou o público, sobretudo de estudantes, nos anos 60 que começavam. "De cara a agulha da nossa injeção entrou na veia da sociedade. O Oficina começou a falar, 'São Paulo é o Brasil'. Nós éramos pessoas muito inquietantes, muito belas."
Gratuito
E nada, garante, era gratuito, havia consequência em cada nova montagem, acompanhando o país. "Em 64, com toda a ditadura, foi difícil, mas era bonito lutar. Tinha o CCC, mas também os universitários, lá dentro, zelando, fazendo a segurança da gente. Não havia esta indiferença."
O melhor estava por vir: em 67 estreou a peça-símbolo do período, "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, direção de Zé Celso, Renato Borghi como Abelardo. "Foi uma explosão que mudou a minha vida. Eu mudei, eu pude voltar a uma parte minha que estava com invólucro, do ator carioca, da Dulcina, do Jaime Costa."
Foi uma "antropofagia" que misturou a interpretação do TBC, o "teatrão" dos anos 50, com o método que Borghi seguia, da formação stanislavskiana, com o teatro de revista. "Eu pude me descobrir um ator que eu não conhecia. E o Zé, nós saltamos juntos. O primeiro salto no abismo foi com 'O Rei da Vela'. Era interessante de manhã, de tarde e de noite, um momento de plenitude."
E estavam todos "explodindo" juntos, lembra, Glauber Rocha, Lina Bardi, Hélio Eichbauer, Hélio Oiticica, Ítala Nandi, Caetano Veloso e Gilberto Gil. "Acontecia conosco e junto conosco. Viajamos de ponta a ponta do Brasil e era assim em toda parte."
Mas vem a pergunta e ele, que havia contornado de início, fala do fim do Oficina anos 60. "Às vezes eu não entendo... Eu me descobri um ator voraz, queria textos, Shakespeare, Brecht, e começou um caminho diferente, do coro. Começou a haver um confronto, meio partidário, dos que eram representantes da palavra e dos do corpo, do happening."
Em "Na Selva das Cidades", o coro que Zé Celso havia descoberto em "Roda Viva", musical de Chico Buarque que ele dirigiu fora do Oficina, toma o palco.
"O Oficina tinha crescido demais e começou a acontecer um desbunde, e a gente, da palavra, não estava sacando que não tinha como desviar, era uma mudança que não tinha como controlar, mística." Em "Na Selva das Cidades" a sua sensação já era de fim, mas a cena final só iria acontecer em "Três Irmãs".
"Eu me despedi dele em cena. Disse: 'Eu vou embora por ali, por onde eu entrei'. Eu saí com o Ariel (Borghi, seu filho) com meses e comecei a entrar no pedaço pesado da década de 70, do Médici, do teatro de resistência."
Saiu pela mesma porta por que entrou. "Eu não entendo o que é ter 60. Parece que eu pisquei e passou."
(NS)

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