São Paulo, sábado, 29 de março de 1997
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Caça ao patinho feio

JOSÉ ROBERTO ARRUDA

O instituto das MPs é o patinho feio do processo legislativo brasileiro. Nenhum parlamentar se sente confortável em sua companhia.
Apesar desse nível de rejeição parlamentar, a medida provisória é inevitável em face das circunstâncias criadas pela Constituição de 1988.
Inspirada em princípios parlamentaristas, a Carta retirou do Executivo federal atribuições próprias do sistema presidencialista, transferindo-as para o Congresso. Adotado o regime de gabinete, a responsabilidade pela condução dos negócios públicos passaria a ser compartilhada pelo Parlamento.
Ocorre que o parlamentarismo não vingou. Os constituintes optaram pela tradição presidencialista -mas, àquela altura, não havia como descoser, no texto constitucional, a camisa-de-força em que meteram o Executivo.
Atos elementares da administração pública passaram a ser condicionados à prévia autorização legislativa -necessariamente morosa, incapaz, portanto, de responder com rapidez às exigências de um Estado moderno e complexo como o brasileiro.
Dessa circunstância nasceu a medida provisória. Foi a resposta do constituinte ao dilema em que ele próprio se colocou -de um lado, impôs dispositivos limitadores da autonomia do Executivo; de outro, colocou a governabilidade em xeque.
Um segundo fator a ser considerado é a peculiar forma como as MPs tramitam no Congresso. De acordo com o texto constitucional, elas devem ser examinadas e votadas no prazo de 30 dias -absolutamente insuficiente.
Se propostas de urgência constitucional têm, regimentalmente, 90 dias para que o Parlamento se manifeste, não há nenhuma razão lógica para destinar a terça parte desse tempo ao exame e à votação das MPs.
Para que a temporada de caça ao patinho feio obedeça a um mínimo de racionalidade, é preciso que o Congresso seja dotado de mecanismos que lhe permitam apreciar as propostas de MPs a tempo. Isso, juntamente com a devolução ao Executivo dos poderes para exercer a administração sem as peias parlamentaristas de hoje, certamente afastará a falsa questão colocada acima.
Estamos caminhando nessa direção. Tramitam no Congresso duas propostas em torno do assunto -uma, do deputado Aloysio Nunes Ferreira; outra, do senador José Fogaça. Ambas indicam soluções plausíveis para o adequado encaminhamento das MPs.
Qualquer delas certamente fará com que se reduza substancialmente o volume de medidas provisórias que hoje congestiona a pauta do Parlamento.
Finalmente, há que reconhecer a colaboração da oposição na busca de alternativas para o problema. A postura propositiva que os oposicionistas assumem nessa questão abre perspectivas otimistas para a abertura de um diálogo com o governo, em outros assuntos, no qual o país só tem a ganhar.

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