São Paulo, sábado, 29 de março de 1997
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O poder excessivo

JOSÉ GENOINO
O instituto da medida provisória (MP) atribui tal poder de decisão e de iniciativa legislativa ao presidente da República que, combinado com o seu uso abusivo, praticamente sacramentou uma monocracia decisória e, por isso mesmo, um poder discricionário.
Regulamentar as MPs, reduzindo drasticamente a sua possibilidade de uso, tornou-se um imperativo democrático. A sua regulamentação deve obedecer três critérios: a) limitação das matérias sobre as quais as MPs podem incidir; b) proibição da reedição; e c) obrigatoriedade de deliberação do Congresso sobre as medidas.
O instrumento das MPs foi criado em países parlamentaristas, como a Itália, para situações excepcionais. Importado pela Constituição de 88, passou a ser usado ordinariamente por todos os presidentes que a ele tiveram acesso.
As MPs praticamente anularam a capacidade de iniciativa do Congresso. Com isso, este teve suas funções esvaziadas, aprofundando-se a sua "deslegitimação" junto à opinião pública e provocando-se a sensação de que se trata de uma instituição desnecessária.
Sem Parlamento, não há democracia. E, quando há um Parlamento sem suas prerrogativas plenas em funcionamento, existe uma democracia pela metade.
O Parlamento, sabidamente, é a base do consentimento mínimo dos governados para com o governo. Na medida em que as MPs tolhem as suas funções, o próprio sistema representativo é sacrificado em benefício de um poder excessivo, concentrado no Executivo.
Com a vigência das MPs, sobram duas alternativas ao Congresso. Ou ele se torna um apêndice do Planalto, como, de fato, é hoje, ou faz a "política negativa", centrada na crítica, na reclamação e na mera deliberação sobre projetos de lei. No primeiro caso, o Congresso é acusado de ser inútil. No segundo, de atrapalhar o presidente.
Para sair desse beco sem saída, o Congresso deve recuperar sua capacidade de iniciativa legislativa. Deve definir sua própria agenda, orientada pelas questões relevantes do país, e aumentar sua capacidade de controle sobre a administração. Terá, assim, condições de decidir sobre as questões realmente significativas do Estado e do governo.
Os parlamentares e a sociedade devem compreender que, sem a limitação das MPs, essas prerrogativas não serão restauradas.
Por fim, quero reafirmar a tese de que não é a mediocridade dos parlamentares que desqualifica o Congresso. É a ausência de significação do Congresso que rebaixa o debate e impede o surgimento de autênticas lideranças políticas no seu interior.
Os poderes presidenciais excessivos, além de inibir a vida parlamentar, impedem a afirmação dos partidos, fortalecem o estilo cesarista de governo e incentivam o desrespeito aos procedimentos democráticos.

José Genoino, 49, é deputado federal pelo PT de São Paulo. Foi líder do partido na Câmara dos Deputados (1991).

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