São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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Os imorais

FERNANDO CANZIAN

São Paulo - O termo falta de dignidade não é o mais apropriado para ser colocado em relação aos suspeitos e culpados -pois há culpados- do caso do escândalo dos precatórios. Mesmo porque "dignidade" tornou-se algo relativamente fácil de ser deixado de lado hoje em dia.
Para muitos, é apenas um termo imperativo: fundado somente na religião ou na vigilância do Estado/polícia. Como muitos não acreditam em Deus e não têm escrúpulos em enganar o Estado -nem quando eles próprios são o Estado-, sua "dignidade" torna-se, decididamente, secundária.
Também são normais os pensamentos desonestos e egoístas que passam pela cabeça de todo mundo. Somos assim. Quem não gostaria, por exemplo, que R$ 1 milhão alheio fosse depositado na sua conta por um "laranja"?
Um pensamento como esse indica o que talvez fôssemos capazes de fazer, mas não necessariamente o que faríamos. Pois, antes de realizar a ação desonesta, ela teria de passar pelo tribunal de nossa consciência. E nele, possivelmente, a ação encontraria oposição e seria descartada.
O problema desses senhores do caso dos precatórios é que o tribunal de suas consciências parece estar em recesso ou nunca ter sido montado. E é fundamental levar em conta que consciência é algo que adquirimos com o tempo, com experiências que, aos trancos e barrancos, tendem a nos levar a um crescente senso de justiça e ao aperfeiçoamento da moral. Ou não, nos imorais.
No caso dos envolvidos -e culpados-, na falta de um tribunal interno, o que toma lugar da consciência são as inquisições da CPI, dos jornais e da sociedade.
E, como Brasil ainda é sinônimo de impunidade, os culpados parecem tranquilos. Estão na mesma, sem sinais de corrosão interna causados por suas consciências artificiais.
Ao contrário, debocham e seguem revelando aos poucos as imoralidades que cometeram e os imorais que são.

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