São Paulo, quinta-feira, 3 de abril de 1997
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Quem são os mandantes do assalto ao Tesouro

ALOYSIO BIONDI

Responda depressa: qual a diferença entre o "caso dos precatórios", o socorro à Mesbla e a venda do Bamerindus?
Resposta: nenhuma. Se a sociedade brasileira parar para refletir, vai concluir que todos esses episódios rumorosos são apenas facetas de um mesmo e imenso escândalo nacional, permanente, diário, chamado de política econômica do governo -e que, há anos, não passa de uma aliança com grupos econômicos para assaltar os cofres públicos.
Vamos por partes:
* Mesbla - a rede de lojas quebrou. Entre suas dívidas, R$ 300 milhões em impostos, mais R$ 300 milhões a R$ 400 milhões de empréstimos junto aos bancos oficiais, Banco do Brasil e BNDES.
Agora, acordo feito na semana passada com o grupo que "comprou" a Mesbla parcelou o pagamento dos impostos em nada menos de 96 vezes, isto é, oito anos. As dívidas junto aos bancos oficiais ficaram para as "calendas".
Perguntas que a sociedade precisa se fazer, a esta altura: como uma empresa consegue ficar devendo R$ 300 milhões em impostos? Como uma única empresa levanta milhões de reais junto aos bancos oficiais? Foi o gerente? Ou foram ordens de escalões muito mais altos? A resposta é óbvia para qualquer criança.
* Bamerindus - na venda "de portas fechadas" do Bamerindus a um grupo estrangeiro, novamente a parte podre ou pouco lucrativa foi empurrada para o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Isto é, os prejuízos vão mais uma vez, em última instância, para o Tesouro -vale dizer, para a sociedade (e nem se está falando no dinheiro do Banco Central também canalizado para "viabilizar" a venda).
* Precatórios - com toda a barulheira em torno das investigações da CPI, corre-se o risco de a opinião pública acabar sendo enganada, isto é, levada a acreditar que o "escândalo" é apenas um caso policial rastaquera, em que uma ou várias quadrilhas assaltaram os cofres públicos.
Esse é um monumental engano. O "escândalo dos precatórios", como esta coluna apontou desde que ele explodiu, é um retrato de corpo inteiro do governo FHC, da forma de governar do presidente FHC.
As reportagens especiais publicadas por esta Folha no último domingo comprovam plenamente as análises anteriores desta coluna: a autorização de emissão dos títulos, pelo Congresso, foi concedida em tempo recorde; a liberação das emissões, pelo Banco Central, da mesma forma -e tudo sem a documentação exigida pela lei.
Traduzindo: governadores e prefeitos "ganharam" a autorização graças aos acordos políticos com o Planalto. Ou alguma criança acredita mesmo que foi um simples funcionário do Banco Central que liberou os bilhões?
É assim que o Brasil vem sendo "governado": "acordos" entre Planalto e governadores; "acordos" entre Planalto e Congresso; "ordens superiores" para passar por cima da lei e realizar negócios escandalosos com grupos econômicos, à custa dos cofres públicos.
Que escândalo?
Ao longo de quase um ano e meio, esta coluna registrou vários exemplos de operações inacreditáveis, negócios da China patrocinados pela equipe econômica. Entre eles, a venda (ou até "empréstimo" por um ano) das ações que o BNDES tinha em carteira de empresas estatais, como Eletrobrás, Telebrás, Petrobrás.
As vendas, a bancos e corretoras, foram feitas no ano passado, numa época em que já se sabia que as estatais deveriam apresentar grandes lucros em 1996 devido aos reajustes de tarifas.
O BNDES (e governos estaduais, ameaçados pela equipe econômica) vendeu as ações a preços de banana. Elas subiram 80%, 100%, 150% em poucos meses. Bancos e corretoras e "alguns" investidores ficaram com os lucros gigantescos. O BNDES, o Tesouro, a sociedade, com os prejuízos.
Alguma criança é capaz de acreditar que a equipe econômica não sabia o que ia acontecer?
A rotina
Já se disse aqui: a opinião pública e os meios de comunicação se escandalizam quando surgem revelações sobre superfaturamento em obras públicas, ou casos como o dos precatórios.
Tolice. A política econômica do governo é um escândalo permanente de favorecimento a grupos e assalto aos cofres públicos. E o Congresso? Continua a engavetar pedidos de CPI sobre as ligações do governo, via Banco Central, com o mercado financeiro.

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